Entrevista ao professor de Novo Testamento Bernardo Estrada

Por Mirko TestaROMA, quarta-feira, 9 de janeiro de 2007 (ZENIT.org).- A consistência histórica dos Evangelhos está em sua própria gênese, na continuidade entre a pregação de Jesus, a pregação apostólica e sua redação, afirma nesta entrevista concedida à Zenit o Pe. Bernardo Estrada, professor de Novo Testamento da Faculdade de Teologia da Universidade da Santa Cruz de Roma, que cita alguns testemunhos alheios à Bíblia, que enriquecem o conteúdo dos Evangelhos.

– O senhor pode nos explicar como aconteceu o processo de redação dos Evangelhos?

–Padre Estrada: Podemos dizer que os Evangelhos se iniciam com a pregação de Jesus, que não escreveu de punho e letra praticamente nada, senão aquelas poucas palavras traçadas na terra quando lhe levaram a uma mulher surpreendida em adultério. De Jesus Cristo sabe-se, sobretudo, que pregava. Deve-se sublinhar a este respeito que a exigência de pregar e ensinar de memória era um costume constante da época, porque a escritura era impraticável em condições normais.

Contudo, depois da paixão e morte de Jesus, a pregação da Igreja se fundou justamente no acontecimento pascoal. É este o fundamento de toda a nossa fé, não só porque Paulo o diz ao final da Carta aos Coríntios, mas porque precisamente o kerigma, o anúncio fundamental da Igreja após Pentecostes, foi «Jesus Cristo crucificado e ressuscitado». O Evangelho como tal era, como afirma São Paulo, proclamação da «gozosa mensagem»: Deus nos salvou da morte eterna com a morte e ressurreição de seu Filho Jesus.

Só na segunda metade do século II, São Justino, ao escrever no ano 160 sua «Apologia», afirma que as memórias dos Apóstolos são denominadas «Evangelhos». É o primeiro testemunho no qual se passa do Evangelho como anúncio pregado ao Evangelho como texto. Após esta declaração apostólica, podemos dizer que os autores sagrados, ou seja, os evangelistas dos quais ao menos dois eram apóstolos, chegam à redação dos livros.

Por isso pode-se dizer que os Evangelhos têm uma consistência histórica, porque refletem estes três estágios em sua formação, dando-se sempre uma continuidade. Uma continuidade que une a pregação de Jesus, a pregação apostólica e a redação do Evangelho.

–Os Evangelhos «canônicos», ou seja, os aceitos pela Igreja por sua origem «apostólica» e por sua «conformidade com a norma da fé» das primitivas comunidades cristãs e as maiores Igrejas de origem apostólica, foram compostos entre 60 e 100. Quais são os critérios que testificam sua historicidade?

–Padre Estrada: Os expoentes mais radicais da crítica histórica consideravam que havia uma distância tal entre a redação dos Evangelhos e a vida de Jesus que toda uma geração de testemunhas oculares havia desaparecido. Mas isso não é verdade. O primeiro Evangelho, que se sabe que foi escrito por Marcos, remonta-se ao ano 64, ou seja, 34 anos após a data provável da morte de Jesus. Naqueles anos o que se fez? Essencialmente, pregou-se o Evangelho em diversos lugares, refletiu-se sobre esse anúncio, dando-lhe uma sistematização teológica, que é o que Paulo fez. De fato, os Evangelhos se escreveram depois de que Paulo elaborasse praticamente toda a sua teologia. Em torno do ano 64, todas as Cartas haviam sido escritas, inclusive as pastorais, se é que ele foi seu autor. Podemos dizer que, naqueles anos, os Evangelhos sofreram uma evolução mais teológica que biográfica, porque os fatos e palavras da vida de Jesus já estavam comprovados.

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