O episódio de Saul evocando um espírito, na Bíblia, não significa que Deus permite a evocação dos mortos?

Por e-mail, pergunta adaptada, enviada JLD.

A sua questão está em 1Sm 28,3-25.

Sim, Deus proíbe a evocação dos mortos. A Ciência tem mostrado que a mente humana tem forças físicas extraordinárias. A capacidade de a mente humana poder modelar e exteriorizar o chamado “plasma humano” é demonstrado pela parapsicologia. È o chamado fenômeno da ectoplasmia. A aparição de espíritos pode muito bem ser inserida no quadro das forças físicas e psíquicas da mente humana. È fenômeno parapsicológico. A telergia (palavra grega que significa literalmente: ação à distância) é fenômeno extranormal de “desagregação e liberação das forças motoras, plásticas, do homem, isto é, das forças físicas, corporais, embora dirigidas pelo psiquismo inconsciente.”

A ectoplasmia (palavra grega que significa literalmente: a coisa modelada fora) é a exteriorização e condensação mais ou menos moldada ou moldável da telergia. A “aparição de espíritos” é, pois, algo cientificamente explicável. Veja na Série Reencarnação e Espiritismo:

http://revistacatolica3.vila.bol.com.br/seriere.html

Não houve, de fato, aparição de Samuel. O texto deixa claro que Saul vivia um drama pessoal muito grande; estava desgastado psíquica e fisicamente. Vivia atormentado, transtornado, neurótico (1 Sm 16,14-16; 18,10-12). Aterrorizado diante dos inimigos (1 Sm 28,5) e nem Deus e os homens o escutavam (28,6). Desesperado, apelo para o que ele mesmo condenava (28,3b). Pediu a evocação dos mortos para uma vidente. Mesmo temendo o rei, que proibira tais atos (28,9), ela fez “o trabalho”. Em 1 Sm 15,26-28 Samuel apareceu e repetiu o mesmo que disseram quando vivo. Note: a visão que a mulher tem e a profecia que faz para Saul (28,16-19) eram coisas já conhecidas. Todos sabiam que Saul estavam com os dias contados, como rei. Depois de repetir o que todos já sabiam, a vidente deixa sua brincadeira e assume papel de pessoa humana compreensiva, carinhosa e prestativa, simples e pobre, tornando-se cozinheira e enfermeira do rei (28,20-25).

Qual o objetivo desta passagem?

Mostrar que Saul foi rejeitado por Deus e pelo povo, esta rejeição foi comunicada por Samuel em vida e estava confirmada para sempre. O texto sugere, por isso que, mesmo morto, Samuel a confirma.

Mostrar que o novo rei Davi, que chorou amargamente a morte de seu rei Saul, rejeitado por Deus e por Samuel ( 1 Sm 13,8 – 15; 15,10-23) e reconheceu o grande valor de Saul que deu a própria vida pelo seu povo, na batalha dos montes Gelboé, juntamente com Jônatas, seu filho, e amigo íntimo de Davi (1 Sm 31; 2 Sm 1).

O relato não trata, pois de “evocação dos mortos” e sim da rejeição de Saul, descrita no recurso literário onde simbolicamente aparece novamente Samuel para confirmar esta rejeição. Não que Deus não perdoasse Saul, mas que Ele mesmo não se arrependera pelos seus atos e ainda buscara atos condenados por Javé, seu Deus. O autor usou na elaboração de seu relato a linguagem de seu tempo a respeito do mundo do além. Usa, por exemplo, a expressão “subir da terra” (v.13), o que designava no judaísmo antigo o lugar dos mortos, o xeol. O xeol era o último lugar do mundo; estava abaixo do mundo das águas e era a habitação dos mortos. Os mortos estavam no xeol em estado de total passividade e inanição; aí não havia movimento nem sabedoria, nem pensamento. O texto lembra que Samuel estava ali em repouso (v.15).

Ao longo da Bíblia, o estudo sobre o mundo do além foi se aperfeiçoando.

Reproduzo um de nossos artigos que fala sobre isso:

“Progressão ao longo da história
sobre a idéia da morte- Por Marcos Rocha

Para você, o que é a morte? Esta pergunta é realmente enigmática e, ao mesmo tempo, assustadora. Todo indivíduo, ou seja, todo ser humano costuma ter três comportamentos frente a idéia de morte. O primeiro é a fuga: tal pessoa foge da questão, com medo da dor, com medo da inexistência e até mesmo do desconhecido, do “além-vida”. A segunda situação refere-se ao sensacionalismo. Muitos apenas “brincam” com o tema, afastando-o de seus pensamentos mais presentes. E a terceira postura é procurar entender o seu significado e o que fazer para melhor se preparar ...

A morte, sinteticamente, é a separação entre o corpo e a alma. Cada alma humana foi criada por Deus para determinado corpo. Logo, quando este corpo morre, ou quando ocorre a separação, a alma não é mais capaz. Neste sentido, não devemos banalizar o fenômeno da morte, mas inserí-la em sua verdadeira dimensão: a humano-religiosa, que explica que a morte nada mais é do que um momento de passagem.

Aliás, o cristão tem dois momentos de passagem ou páscoa: o batismo e a morte. No primeiro, a vida pagã é transformada em uma vida na graça e, no segundo, ocorre passagem semelhante, pois existe um evoluir. O corpo material se transforma em pó e a alma irá para o céu, para o purgatório ou para o inferno. No fim dos tempos, receberá um corpo glorificado... ou seja, aconteceu uma passagem positiva, uma melhora significativa.

Mas como foi a progressão da idéia de morte ao longo da Bíblia? A primeira idéia está expressa na Teoria da Retribuição Pura (TRP), cristalizada em Eclesiastes. A TRP dita que não existe vida após a morte e, logo, Deus retribui a cada um, conforme suas atitudes, aqui mesmo, na Terra. Teoria extremamente materialista, a retribuição é realizada através de grande geração de filhos, obtenção de riqueza e alta longevidade. Esta teoria foi sendo deixada de lado, pois notou-se que tal retribuição não acontecia concretamente na maioria das vezes. Na primeira parte do livro profético de Isaías surge a idéia do CHEOL ou da GEENA. Aqui já existe vida além da morte, mas a idéia de recompensa ainda não foi cogitada: tanto o homem bom quanto o ímpio ficam no mesmo “lugar”. A terceira hipótese foi levantada na segunda parte de Isaías e podemos chamar de REFAIM. Aqui a idéia da vida após a morte persiste, no entanto a recompensa ainda inexiste. A vida eterna, nesta terceira proposta, é apenas uma sombra pálida da vida terrena.

Por fim, um pouco antes do ACONTECIMENTO CRISTO, ainda no Antigo Testamento, mas recebendo grande reforço no Novo Testamento, com as próprias lições e provas de Jesus, o Filho do Deus Vivo, está evidenciada na terceira parte de Isaías e nos livros de Macabeus a teoria da Justiça Póstuma. Isto é, existe vida após a morte e a recompensa é feita também no “além”.

Vale ressaltar que a visão sobre o conceito de morte sobre trágica mudança com o ACONTECIMENTO CRISTO. No Antigo Testamento, a visão é pedagoga, pessimista e sapiencial. Nesta visão, devia-se viver muito bem todos os dias de nossas vidas pois a morte era o fim de tudo. Na visão do Novo Testamento, que podemos denominar de “mistagoga”, a morte está unida ao mistério de Cristo. Já não é o fim – nunca foi -, passando a ser um momento de passagem para a vida eterna, vida esta conquistada por Cristo para toda a humanidade, através de seu sacrifício redentor na cruz.

E você, já analisou a morte realmente?”

Entretanto, também não é totalmente errado "achar" que Deus permitiu tal aparição para dar uma lição em Saul, que estava descumprindo os dez mandamentos e os numerosíssimos preceitos judeus sobre não evocar os mortos (Dt 18,10s). Deus proíbe que os homens evoquem os mortos, não disse se Ele mesmo pode permitir ou não aparições. Evocar seria ação própria dos homens. Não de Deus. A aparição é rara, mas pode acontecer, como aconteceram inúmeras aparições de Maria. Ninguém evocou Maria, ela apareceu por ordem de Deus, para confirmar o Evangelho naquela região ou contexto histórico. Assim também foi na Transfiguração (Mt 17), quando Elias e Moisés apareceram para Jesus. Contudo Jesus não é fiel, é o próprio Deus. E existe também uma explicação simbólica para este fato. Jesus estaria confirmando a Lei e os Profetas, representados respectivamente por Moisés e por Elias. O que não se pode é deduzir que Deus permitiu evocação dos mortos, se proibiu tão veemente em toda a Bíblia, inclusive pela boca de Cristo (Lc 16,30-31). Usou uma parábola inteira para ensinar inclusive isto.

Por que é diferente? Porque evocar espíritos está vinculado a uma ação ativa do fiel. Para o fiel não basta a fé em Deus, é necessário evocar algum espírito para conceder a este provas do além ou algo que só a fé em Deus pode conceder. Nesta mesma linha estão proibidas consulta aos mortos, superstição e outros. São falsos deuses, querem substituir a onisciência, onipresença e onipotência que só Deus possui.

http://revistacatolica2.vila.bol.com.br/falsosdeuses.html



Paz e Bem!

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