Ainda é a aurora de um novo milénio, e já surgem vozes de guerra que afirmam que o homem é um violento e que só pode ser dominado com uma violência maior; e isto não é uma ideia isolada, de alguns loucos, mas uma convicção bastante generalizada.

A verificação de que a sociedade, ao fim e ao cabo, não é mais que um imenso grupo de lobos violentos que só sobrevivem à custa de uma estrutura mais violenta que os impeça de devorar-se, está bastante generalizada e é a razão de manter esses grandes "aparatos" de segurança - os exércitos - que tornam impossível o desenvolvimento de muitos povos e a progressiva humanização de todos.

Diante deste panorama, que força poderá ter a mensagem de Paz e Bem que Francisco de Assis viveu e anunciou? Não será um simples desejo de um optimista que desconhece a realidade?

Francisco fala-nos a partir da sua experiência. Nascido numa sociedade tão violenta como a nossa pareceu-lhe que a única forma de resolver as diferenças com o povo vizinho era a guerra. Mais ainda, estava plenamente convencido que a sua realização pessoal - pertencer à nobreza - passava por ser militar, por ser cavaleiro; isto é, por fazer a guerra.

Esta certeza de que as relações pessoais só podiam acontecer e resolver-se desde a violência era ponto assente para os seus parentes; daí que Francisco fora admirado por todos como um homem ambicioso que aspirava a ser um valente guerreiro.

Mas o Senhor, mudou-lhe a forma de ver as coisas. As relações entre as pessoas não podem estar baseadas na violência mas sim no serviço. A solução dos conflitos não pode ser a guerra mas sim a paz. E não uma paz qualquer, que brota de um meio violento, mas sim uma paz que brota da liberdade.

A paz que o Senhor lhe oferecia era o mesmo projecto divino de fazer da humanidade uma família de irmãos. Por isso o aceitou como um dom que satisfez as suas aspirações humanas e como uma tarefa que o impulsionava a anunciá-lo aos demais.

Celano diz-nos que “Francisco percorria aldeias e cidades anunciando o Reino de Deus, pregando a paz”. Esta identificação entre a paz e o reino clarifica a que tipo de paz se refere; não se trata de uma paz bélica, mas de uma paz messiânica.

O dom da paz, não é algo que se deva anunciar sem mais; é preciso trabalhá-lo e vivê-lo para que seja credível (TC 58). As acções de Francisco em favor da paz foram muitas, mas basta recordar o testemunho de Tomás de Spalato: “Em 1222, residia eu na casa de Bolonha, era o dia da Assunção da Virgem Maria Mãe de Deus, quando vi S. Francisco que pregava na praça diante do palácio público; estavam ali quase todos os habitantes da cidade... O conteúdo das suas palavras era apenas um pedido para terminar com todas as inimizades entre os cidadãos e para restabelecerem a paz entre si. Desalinhado no vestir e com um rosto pouco atraente, a sua presença pessoal era irrelevante. Mas, com toda a eficácia que Deus colocava nas suas palavras, muitas famílias da nobreza, que desde muito tempo cultivavam entre si um ódio tão feroz, chegando em muitos casos ao derramamento de sangue, fizeram as pazes".

Anunciar a paz não é suficiente, nem tão pouco fazer acções pontuais. A paz franciscana tem um nome e um rosto: a fraternidade.

A Fraternidade franciscana, não é um ninho quente isento de tensões, mas algo que existe graças a uma vontade, incessantemente renovada, de misericórdia e de reconciliação. A fraternidade franciscana tem a sua existência, a sua força e paciência, no olhar misericordioso de Deus sobre o homem; e só se realiza quando cada um dos irmãos, nas suas relações com os outros, se inspira nesse olhar que não julga nem condena; um olhar compassivo, construtivo e salvador.

Uma fraternidade assim, nunca estará plenamente realizada, é uma utopia. Mas mais que uma utopia é uma esperança de que a humanidade possa reconciliar-se. Pois bem; a Fraternidade franciscana não vive para si mesma, mas tem como missão anunciar ao mundo a esperança de uma reconciliação sempre oferecida... sempre possível.

fr. Júlio Mico

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