Frei Neylor J. Tonin

Prestemos, neste mês de outubro, uma tosca e humilde homenagem a nosso querido e admirável Pai São Francisco, de quem Mussolini disse ser o mais italiano dos santos e o mais santo dos italianos. Os Fioretti o chamam de santo comparável a Cristo. E Pio XI de um quase Cristo redivivo. O Cardeal Vitry, seu contemporâneo, o classificou como homem simples e iletrado, amado por Deus e pelos homens. Ele mesmo, São Francisco, se achava homem inútil e indigna criatura de Deus, nosso Senhor. A História o alcunhou simplesmente como "il Poverello".

Lembra-te, ó Homem, que, apesar de tuas riquezas, és um mendigo, um pobre mendigo. Podes ter muitos bens, mais do que necessitas, mas falta-te muito, infinitamente mais. Não és dono da água com que te lavas o rosto. Não és dono do ar que respiras. Não és dono do firmamento, que te cobre, sem nada te cobrar, nem dos raios do sol que te beijam e da chuva que te alegra com o espetáculo de sua música. Não és dono do trigo que comes como pão todos os dias. Não és dono da rua em que moras nem das pessoas que convivem contigo. Não és dono da educação e do companheirismo dos que te cumprimentam, quando chegas ao trabalho. E por aí vai.

Podes ter muito dinheiro, fama e poder, podes desfilar todo engravatado e com passo firme de dominador, podes sentar-te na ponta da mesa e participar de decisões que mexerão com a vida dos outros, mas, lembra-te!, não passas de um mendigo. Dependes basicamente dos outros em tudo: para trabalhar, para te vestires, para te sentires seguro, para amar e seres amado. Para te sentires bem, quantas vezes necessitas de um mísero comprimido. Acima de tudo, não sentirias, sem os outros, as pequenas e indispensáveis alegrias de viver.

Nem falemos de coisas espirituais. Tua pobreza, ó Homem, no campo da espiritualidade, é avassaladora. Perdão se te digo que me dás a impressão de ser um pavão de penas multicoloridas, desfilando tua sem-senhoria aos olhos admirados dos invejosos, enquanto te esqueces de olhar para teus pés horrorosos e de barro.

Quando te encontras sozinho, longe dos olhares aparvalhados dos que te invejam, porque não vêem teu interior, sendo, quem sabe?, eles, pobres como tu, sobra-te apenas o espelho para denunciar tuas vaidades. E, aí, onde acaba a encenação, surge tua real pobreza.

Olha para a história e lembra-te de Roma, da Roma imperial dos Césares. Ninguém, possivelmente, em toda a história humana, apresentou maior esplendor e se comportou com maior arrogância. A senha sou cidadão romano era um passaporte cobiçado e garantia de privilégios e de impunidade. Poder, glória e... despudor! E, no entanto, o orgulho romano não resistiu ao tempo: sumiu tristemente e para sempre do mapa da história. Onde estão o pão e o circo patrocinados pelos imperadores e servidos, como calmante aos seus cidadãos? Os grandes, os Césares, os pavões arrogantes de Roma, que criaram o "mare nostrum" e humilharam tantos povos, terminaram como pobres mendigos que a morte reduziu, inapelavelmente, a um punhado desprezível de pó.

Séculos mais tarde, só para continuar este vôo rasante sobre a História, a Idade Média, que conheceu a grandeza singela de São Francisco de Assis e a eloqüência exuberante de Santo Antônio de Lisboa e de Pádua, foi, ao mesmo tempo, uma idade de esplendor e de profundas misérias. Os papas se autoproclamavam senhores das duas espadas, da divina e da temporal, mandando e desmandando no destino das pessoas e dos povos. Ao lado deles, imperadores de grandes ou insignificantes reinos eram os senhores da guerra, matavam o seu tempo matando e infelicitando seus súditos, na desesperada tentativa de garantir um poder que era desumano e falaz.Nenhum deles, papas ou imperadores, escreveu, com todo o esplendor de suas conquistas, seu nome na admiração da história humana.

Quando no ano 2000, a revista "Times" perguntou ao mundo quem tinha sido o homem do milênio ou a estrela de maior brilho da nossa história, não foi apontado um General conquistador, um cientista, um poeta ou um escritor, um Papa ou um Imperador, mas as pessoas apontaram e elegeram, encantadas, o Poverello, o
pobrezinho, a humilde criatura de Deus, aquele que se intitulava menor e pecador, São Francisco de Assis.

Como vês, não basta, ó Homem, ter poder e exércitos, tronos e castelos, e ostentar uma coroa de ouro. A empregada de tua casa sabe que tudo isto não passa de falsos brilhos perituros de uma situação sem futuro, que não consegue esconder a raiz de nossa pobreza humana. Reis e imperadores, papas e soberanos são, finalmente, tão mendigos como os pobres de nossas ruas e praças.Não desconhecemos que é possível ser arrogante na pobreza das ruas como rico em humanidade dentro de um palácio.

A verdadeira grandeza humana tem como fundamento a consciência de nossa pobreza e floresce em nossas muitas dependências. Somos todos, ricos e pobres, reis e súditos, radicalmente mendigos. Ter consciência desta verdade é o começo da verdadeira sabedoria. Tornamo-nos mestres da arte de viver, quando nos reconhecemos menores e pobres, dependentes e mendigos. Aí, então, a força da
espiritualidade fará de nós a sua casa e nos coroará com uma auréola que é mais brilhante do que o ouro e mais transcendente do que qualquer trono.


Frei Neylor J. Tonin
Irmão menor e pecador

FONTE: SITE DA IMACULADA CONCEIÇÃO. WWW.FRANCISCANOS.ORG.BR

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