É necessário descobri a nossa vocação. Que caminho seguir para responder em plenitude o Chamado que o Senhor nos faz.



“O que seria, na nossa busca do tão sonhado tesouro, a primeira coisa a fazer, senão limpar o campo? Seria uma loucura entrarmos em um campo cheio de gravetos e de mato para cavarmos aleatoriamente, causando uma enorme bagunça de terra amontoada em grande desordem, buracos para todo o lado, mato empilhado, espinheiros e urtigas a nos atacarem a pele. Em pouco tempo, o próprio mato arrancado ao acaso cobriria o que já teríamos cavado, os montes de areia dificultariam a caminhada, a desordem traria a desorientação, a perda de tempo, o não saber o que foi cavado e, por fim, a frustração de não saber como encontrar o tesouro.



É para favorecer esta primeira etapa que a Comunidade oferece o que se chama de “celibato disciplinar”. Trata-se de um tempo onde os membros abandonam toda decisão ou inclinação feita anteriormente na direção de um dos estados de vida, seja o sacerdócio, celibato ou matrimônio (exceto para as pessoas com seu estado de vida já consolidado pelo sacramento. Neste período, todo relacionamento de namoro deve ser interrompido, assim como todo encaminhamento anterior no sentido de estudos direcionados à ordenação sacerdotal.



No caso dos membros da comunidade de vida, o celibato disciplinar tem início no postulantado e perdura até o final do primeiro ano do noviciado, com a possibilidade de ser ou não renovado, de acordo com o livre discernimento do noviço e seus formadores. No caso da comunidade de aliança, este “celibato disciplinar” é encorajado, ficando, entretanto, sob a inteira liberdade do formando.



Os escritos nos esclarecem sobre a finalidade deste celibato disciplinar, este primeiro passo para a limpeza do nosso precioso campo:



“É necessário (...) renunciarmos a qualquer opção que tenhamos feito em termos de vocação (exceto no caso dos que já são sacerdotes ou que contraíram matrimônio antes de ingressarem na Comunidade de Vida) para assim podermos caminhar livremente, sem compromissos, em direção ao nosso Amado e ao plano novo que Ele tem para realizar em nossas vidas. Abertos a outros caminhos, à vocação (estado de vida) que o Senhor tem para nós, querendo buscar a verdade para a qual Ele nos criou e não aquilo que já colocamos em nossa cabeça e não temos a coragem de entregar em suas mãos, estaremos no rumo certo da felicidade”.[1]



Como se vê, trata-se de um ato de fé e de vontade, de confiança plena em Deus, uma grande e generosa disposição para estar abandonado em Suas mãos e começar com afinco um trabalho de limpeza e escavação que o mundo raríssimamente ofereceria. Uma entrega à qual Deus com toda certeza recompensará.



É, além disso, uma abertura para iniciar uma caminhada de cura e de auto-conhecimento no campo da afetividade, como novamente nos explicam os Escritos:



“Abertos, livres à vontade de Deus, sem compromissos com ninguém a não ser com o Senhor, com o novo e com a Comunidade onde nos chamou a viver, orando e trabalhando, iremos nos descobrindo e nos formando no novo, no plano que Deus tem preparado para cada um de nós”.[2]



Voltemos ao nosso campo. Antes de começar a cavar, é necessário limpar o terreno ordenadamente. Munidos dos instrumentos preciosos da oração e da vida comunitária, auxiliados pelos formadores, livres e protegidos pela graça de disponibilidade do celibato disciplinar, é preciso ir ‘desmatando’ faixa após faixa, da parte mais exterior para a parte mais interior.



É importante este sentido de fora para dentro no desmatamento de campo tão especial. Mesmo nos terrenos não simbólicos, é de fora para dentro que se desmata, por questões práticas óbvias: é mais fácil retirar o entulho quando ele está mais próximo à saída e, à medida que o desmatamento se distancia do portão, é mais fácil desfazer-se do lixo passando pelo terreno já desmatado.



No caminho para o discernimento do estado de vida, acontece o mesmo. É preciso entrarmos com coragem, renúncia e disposição[3] não somente em constante oração, mas também em constante questionamento, a partir do mais exterior: em que cultura eu estava inserido com relação ao estado de vida? Era uma cultura aberta a todos os estados, ou direcionada apenas a um deles? Ou, talvez, tenha sido uma cultura contrária a qualquer compromisso duradouro entre duas pessoas, tipo “eterno enquanto dura”? Qual a postura de minha família com relação ao estado de vida? Qual a postura dos meus pais e irmãos? E a postura de meus tios, tias, avós, primos? O que minha escola me ensinou a respeito do estado de vida? Era uma visão aberta ou restrita, ou, talvez, simplesmente inexistente? Em minha história, tive contato com pessoas dos vários estados de vida? Que tipo de comentários eram feitos, em minha família, acerca da vida dos artistas de televisão e cinema com seus vários romances, adultérios, etc.? Que valor minha família dava ao corpo e à beleza física?



Adentrando mais neste terreno, podemos nos perguntar: Que tipo de atitude minha família tinha com relação à sexualidade? Que expectativas tinham de mim com relação a este assunto? Eu via respeito entre meus pais? Eram admitidos filmes, revistas, piadas que ofendessem a Igreja, ou a pureza? Fazia-se brincadeiras relacionando-se o celibato consagrado ou o celibato dos sacerdotes ao homossexualidade ou à frustração sexual? Que expectativas tinham de mim com relação à profissionalização, a ganhar dinheiro, a “dar netos aos meus pais”? Que tipo de atitude tinham com relação às minhas amizades, fossem masculinas ou femininas? Alguma vez fui chamado de “padreco”, de homossexual? Alguma vez fui chamada de prostituta, de lésbica, ou de “santinha”, ou de “freirinha”? Que reações isso causava em mim?



Na limpeza do terreno, temos de aprender a identificar e saber como lidar com estes galhos, urtigas, espinhos, plantas aparentemente inocentes, mas que são venenosas, etc. É mais seguro limpar tudo o que não sejam árvores firmes, com raízes profundas, frondosas e com bom frutos. Para saber distingui-las, nesta nossa operação-limpeza, os Escritos vêm nos auxiliar:



“É preciso ter consciência de que precisamos ser podados em nossos galhos velhos ou até naqueles aparentemente verdes mas que não dão frutos, para assim produzir os verdadeiros frutos. E isto não é fácil. É árduo e difícil! Por isso precisamos da humildade e do desejo de nos deixarmos formar”.[4]



Com relação à limpeza do campo para o discernimento do estado de vida, há alguns galhos velhos bastante óbvios e dos quais não só precisamos, mas desejamos nos livrar de qualquer jeito. São aqueles frontalmente contrários ao Evangelho, à moral, à dignidade da pessoa humana, à própria dignidade, como as paixões, os vícios, os pecados e erros do passado. Quais são os galhos deste tipo que você encontra em seu campo?



Há outros galhos aparentemente verdes, mas que não dão frutos. A estes é mais difícil identificar, principalmente quando não se está em tempo de celibato disciplinar e tem-se, ainda algum relacionamento afetivo ou alguma inclinação para este ou aquele estado de vida. Galhos assim podem ser namoros que não dão bom frutos, mas produzem dependência mútua e fechamentos; uma postura “de padre” que você assumiu por vontade própria ou por influência de sua família; uma postura artificial com relação à sexualidade; um puritanismo exacerbado; rigorismo com relação aos relacionamentos de amizade ou afetivo; dependências ou dominações em relacionamentos de amizade com qualquer dos sexos; apegos exagerados a amigos de qualquer um dos sexos, etc. Todas estas – e ainda muitas outras coisas – podem ter aparência de galhos verdes, mas são posturas artificiais, superficiais, perfeccionistas, rigoristas ou para satisfazer outras pessoas. Em oração, procure ver em sua historia de vida que galhos deste tipo você encontrou, cultivou, escondeu, disfarçou e... corte-os sem demora, para continuarmos a limpeza do nosso campo. Tudo isso, claro, com coragem, pois é tarefa difícil e há sempre a ameaça da solidão e do “não saber viver sem isso...”, ou “não saber viver sem ele/ela...”; ou, ainda, “não saber viver de outro jeito...”. Com humildade, mas com firmeza, corte estes galhos antes que eles nos impeçam de prosseguir em nossa limpeza.



A cada vez que limpamos uma faixa do campo, devemos voltar a nos perguntar: Também com relação ao discernimento do estado de vida, eu creio no novo? Agora que comecei a limpeza, continuo a crer neste novo com todo o meu coração e deseja-lo em minha vida de formas a coloca-lo a cada dia, a cada passo, no meu viver[5], ou acho que o escrito Obra Nova aplica-se somente a assuntos “espirituais” e que não atinge minha caminhada de discernimento? Acertada esta premissa, vamos ao passo seguinte:



Uma vez limpo o campo, retirados os matos, galhos e gravetos, parecer-nos-á que temos uma visão ampla do nosso campo. No entanto, é preciso tomar distância. Uma vez retirado este mato mais superficial, ajudados que estamos sendo pelo celibato disciplinar, é preciso sairmos do campo, tomarmos uma distância segura do mesmo e, sentados em lugar alto, olhá-lo longamente, sem pressa, no silêncio do coração.



Para que haja autêntico silêncio no nosso coração, é necessário o celibato disciplinar. É necessário estarmos livres de todo laço, seja ele qual for, ainda que seja um belo galho verde somente em sua aparência. Além do silêncio no coração, é preciso contemplar o campo de um lugar mais alto, com os olhos de Deus: “Senhor, o que pensas do meu campo?” e com os olhos de minha razão e de minha fé, deixando de lado os sentimentos: “O que eu penso do meu campo?”



Pode ser que não nos agrade o que vemos. Daí, estarmos em uma distância segura significa objetividade, distanciamento com relação ao que encontramos em nós mesmos, em nosso campo no qual o Senhor escondeu o tesouro do estado de vida. É possível que nesta etapa necessitemos de alguém de confiança para nos segurar e impedir que voltemos a plantar o velho matagal que esconde a verdade. Este amigo, formador, pai, mãe, conselheiro, não vai enxergar por nós, mas vai-nos manter a uma prudente distância e nos encorajar.



Pode ser, pelo contrário, que nos agrade o que vemos. Desnudo o campo, pode ser que nos pareça estarmos muito bem com relação à caminhada para o discernimento do estado de vida. Pode ser até que, de longe e do alto, já vislumbremos algum sinal de onde achamos o tesouro...



Mais uma vez precisamos de uma mão a nos segurar! Nosso impulso será voltarmos ao terreno e nos pormos a cavar imediatamente, no local em que nos parece estar o tesouro. No entanto, é preciso ter prudência. Podemos estar apenas começando, ou fugindo, ou fingindo para nós próprios. Precisamos de ajuda. Esta primeira visão da terra nua pode ser apenas superficial e enganosa.



É necessário que entre em ação o tacômetro. Só com este aparelho, que vê e analisa os detalhes do terreno, de sua topografia, podemos ter visão mais apurada. O tacômetro sempre traz medidas quase exatas das ondulações do terreno, de suas depressões, invisíveis a olho nu.



Como o assunto é vital para cada um e para a vocação, podemos mesmo contratar algo que veja o campo de um ângulo mais distante. Podemos contratar um satélite que nos forneça com precisão o mapeamento do campo e, até mesmo, detecte a presença de metais e pedras preciosas, de pedras abaixo da superfície, de nascentes de água, lençóis freáticos e fendas no subsolo prontas para explodirem em vulcões.



Sempre em oração e escuta, podemos, com o devido distanciamento da situação e dos envolvimentos afetivos, esquadrinhar o campo com nosso topógrafo: Como é meu temperamento? Gosto de estar com as pessoas? Sei partilhar minha vida? Como são meus relacionamentos de amizade? Tenho facilidade em perdoar e recomeçar relacionamentos? O que significa a solidão para mim? Até que ponto gosto de viver os aspectos positivos da solidão? Até que ponto a solidão me sufoca e entristece? Sou por demais fechado em mim mesmo? Qual minha capacidade de amar? O que significam as outras pessoas para mim? Estou sempre atento aos outros e às suas necessidades? Qual o peso do comodismo para mim? “Que significado tem para mim o “meu lugar”, ao “meu cantinho predileto”, meus livros ou objetos preferidos?



Ainda e sempre em oração e escuta, podemos recorrer ao satélite: Sou capaz de esquecer-me de mim em favor dos outros? Preocupo-me mais com os outros do que comigo mesmo? O amor inteiramente oblativo (sem esperar retorno) me atrai? O sacrifício oblativo de toda minha vida me atrai? Além de me atrair, ele me motiva? O amor inteiramente oblativo e sem expectativa de reciprocidade me atrai? Me motiva? Atrai-me e motiva-me o relacionamento com base na amizade, na reciprocidade? Que tipo de amor nutro pela Igreja? Daria minha vida por ela? Atrai-me e motiva-me esquecer-me de mim mesmo por amor à Igreja?



Para precisar o lugar onde você deve cavar, o detector de metais e pedras preciosas precisará ainda de algumas informações vitais: Quem é Jesus para você? Ele está, de fato, acima de tudo e de todos? Sua Vontade, uma vez clara para você, o atrairá e o motivará a colocá-la em prática, custe o que custar? Quem é, na verdade, a pessoa mais importante de sua vida? É você mesmo? É um amigo ou amiga? É Jesus? Para saber com mais clareza, procure ver em quem você pensa durante a maior parte do tempo, para quem você faz as mínimas coisas e com que objetivo as faz.



Pode ser que, agora, livre dos empecilhos graças ao celibato disciplinar, livre dos galhos que ocultavam as verdades e acidentes do terreno, auxiliado pelo topógrafo e pelo satélite, você já detecte, no campo que é você com sua história de vida, um ou mais lugares onde cavar. Cuidado! Você terá a tentação de contratar um possante trator para fazer o trabalho no seu lugar. Seria, sem dúvida, mais rápido, mas com certeza não seria tão eficiente. Devido à natureza sumamente delicada do tesouro, o mero peso do trator poderia esmagá-lo e suas pás estraçalhá-lo.



Recorra, ainda uma vez, à coragem, renúncia e disposição e arme-se da oração e da escuta para começar a cavar, isto é, penetrar no mistério.”

Postar um comentário

Tecnologia do Blogger.