Pergunta — No Juízo Final, nossos pensamentos serão expostos a todos? Se cometemos um pecado contra a castidade, consentindo em um pensamento impuro, mas nos arrependemos e fomos perdoados, e dele nos purificamos no Purgatório, mesmo assim esse pecado será exposto ao mundo todo? Se a confissão é secreta e individual, por que então os pecados seriam revelados no Juízo Final? Não me parece fazer sentido. No santo ritual da Confissão, não se deve nem sequer descrever minuciosamente os pecados cometidos contra a virtude da castidade. Por gentileza, me auxilie a compreender.

Resposta — O Juízo Final é realmente um dia tremendo, como diz o responsório que se rezava ao fim da Missa de Defuntos (em latim, naturalmente): “Libera me, Domine, de morte aeterna, in die illa tremenda; […] dum veneris judicare saeculum per ignem”.

Traduzamos para o leitor, desabituado do latim depois de 40 anos sem uso na Liturgia católica, e que só recentemente vem sendo retomado em algumas igrejas privilegiadas:

— Livrai-me, Senhor, da morte eterna, naquele dia tremendo; quando os céus e a terra forem abalados: quando vierdes a julgar o mundo pelo fogo.

— Eu tremo e estou atemorizado, pensando no dia do juízo e da ira [de Deus]. Quando os céus e a Terra forem abalados.

— Dia de ira, aquele dia de calamidade e de miséria, grande dia cheio de amargura. Quando vierdes a julgar o mundo pelo fogo.

Portanto, para todos os homens, bons e maus, o dia do Juízo Final será um “dia de ira, aquele dia de calamidade e de miséria, grande dia cheio de amargura”. Porém, não o será igualmente para bons e maus, e aqui começa a grande diferença!

Antes do Juízo Final, o juízo particular

Juízo Final – Fra Angélico, séc. XV. Museu de São Marcos, Florença, Itália.
O Juízo Final é necessário, pelas razões que veremos em seguida. Mas, na verdade, antes dele cada homem terá passado por um juízo particular, logo depois da morte. Poucos cristãos têm isso presente quando comparecem a um velório e vêem o defunto estendido na câmara mortuária; mas ali está um homem que já foi julgado por Deus e recebeu sua sentença definitiva: Céu ou Inferno!

Se aquele homem ou mulher morreu na graça de Deus, está destinado ao Céu. Pode ser que, embora tenha morrido em estado de graça, não tenha pago suficientemente por todos os pecados cometidos; neste caso, passará antes pelo Purgatório, para satisfazer completamente a Justiça divina até ser purificado da mais leve mancha de pecado. Depois disto sua alma será levada ao Céu, ali aguardando a ressurreição geral dos corpos, quando então se unirá ao seu corpo restaurado para nunca mais morrer. Será nestas condições que ele se apresentará diante de Nosso Senhor Jesus Cristo no dia do Juízo Final, portanto certo de sua absolvição pelo Divino Juiz.

Quanto aos maus, que morreram em pecado mortal, suas almas serão enviadas ao Inferno imediatamente após a morte, e também lá ficarão aguardando a ressurreição geral dos corpos, para se unirem aos seus corpos tenebrosos e receberem diante de toda a humanidade a confirmação da sentença terrível exarada no juízo particular.

Portanto, bons e maus não entram no grande anfiteatro do Juízo Final nas mesmas condições: uns já sabem que se salvaram, e portanto estão tranqüilos e felizes; e outros já têm conhecimento de que se condenaram, e portanto estão desesperados e aterrorizados.

Estes últimos, para sua vergonha, terão os seus pecados, mesmo os mais ocultos, desvendados aos olhos de todo o mundo, que assim verá como Deus foi justo ao condená-los.

E os pecados dos bons, também serão exibidos? É a perplexidade do consulente.

Sobre a necessidade do Juízo Final

Poucos cristãos têm presente, quando comparecem a um velório e vêem o defunto estendido na câmara mortuária, que ali está um homem que já foi julgado por Deus e recebeu sua sentença definitiva — Céu ou Inferno!
Uma pergunta óbvia, ao se tratar do Juízo Final, é sobre a necessidade dele. Pois, se logo após a morte a alma é julgada por um juízo particular, e seu destino eterno já está selado, nada mudará com o Juízo Final. Qual, pois, sua razão de ser?

O Juízo Final –– ou Juízo Universal, como também é chamado –– é o grande ajuste de contas dos homens com Deus, como também dos homens entre si.

Comecemos por este último, apesar de ser menos importante. Menos importante, aliás, não quer dizer desimportante. Mesmo porque Jesus Cristo deu a ele grande importância.

Com efeito, quando São Lucas introduz a questão da revelação dos pecados ocultos (cap. 12, 1-2), é justamente a propósito dos grandes hipócritas do tempo de Jesus, que eram os fariseus: “Começou Ele [Jesus] a dizer aos seus discípulos: Guardai-vos do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia. Porque nada há de oculto que não venha a descobrir-se, e nada há escondido que não venha a saber-se”.

Importa pois que, no dia do Juízo Final, todos aqueles que quiseram passar por virtuosos aos olhos dos homens, mas estavam cheios de pecados ocultos, sejam publicamente desmascarados.

Ampliando esse quadro, vemos quantas pessoas são caluniadas ou injustiçadas — em qualquer campo que se considere: moral, familiar, social, político, cultural, artístico, científico, técnico, laboral, etc. — e conseqüentemente menosprezadas ou preteridas em favor de outras francamente incompetentes, oportunistas ou desonestas. É preciso que a justiça seja feita aos olhos de toda a humanidade. É esse grande ajuste de contas, em nível particular, que o Juízo Final propiciará.

Pode entretanto acontecer que alguns –– ou muitos –– que praticaram injustiças tenham depois se arrependido e salvado sua alma. É claro que a injustiça praticada por essas pessoas também deve ser manifestada no Juízo Final, para reparar a honra dos lesados.

O fato de que, no sacramento da Confissão, se garanta o segredo absoluto sobre os pecados confessados, é uma condição necessária da vida nesta Terra: todo convívio humano se tornaria insuportável se cada um ficasse sabendo dos pecados ocultos dos outros. Porém, no dia do Juízo, essa necessidade cessa, pois o convívio a partir de então será na morada celeste, em condições totalmente outras.

Ademais, no Juízo se revelará também a seriedade da contrição e o rigor da penitência com que cada um lavou seus pecados. O que lhe servirá de louvor. Não é este um mérito pequeno. Pelo contrário, é altamente valioso aos olhos divinos ter alguém a coragem de olhar de frente os próprios defeitos e corrigi-los. Arrancar de si um defeito dói mais do que arrancar um braço, e só se consegue com um auxílio especial da graça, a qual Deus não nega a quem lhe pede. Assim, o mérito da penitência cobre o demérito do pecado; e onde abundou o delito, superabundou a graça, como disse São Paulo (Rom, 5, 20).

No fim das contas, a revelação de nossos pecados ocultos, no dia do Juízo Final, não resulta em opróbrio, mas em motivo de ação de graças a Deus, que desse modo triunfou em nossas almas, e em reconhecimento do mérito havido no arrependimento.

Porém, o Juízo Final não se restringe ao acerto de contas entre os indivíduos e destes com Deus. Nele serão julgadas também as famílias, as sociedades de várias ordens, os povos e as nações. Nele, como diz o Catecismo da Igreja Católica, Jesus Cristo “pronunciará sua palavra definitiva sobre toda a história da humanidade” (nº 1040). Será uma grande aula de História.

Não é, pois, sem propósito que a eleição dos papas se faça na Capela Sistina, sob o teto decorado com o célebre afresco de Michelangelo sobre o Juízo Final. O que ali se decide, de cada vez, é o rumo que tomará a Santa Igreja, cuja barca arrasta atrás de si a História de toda a humanidade!
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CORRIGENDA

Na matéria desta coluna de novembro de 2008, a carta do ano de 1615 em que Galileu professa a doutrina católica tradicional sobre a exegese das Sagradas Escrituras foi dirigida efetivamente à Grã-Duquesa da Toscana, Cristina de Lorena (1589-1637), e não à Rainha Cristina da Suécia (1626-1689), como por engano foi afirmado.

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