"Queremos comer e ir à escola", responderam a uma só voz meninos e meninas de um acampamento para desabrigados pelo terremoto de janeiro no Haiti, que estão em risco de serem desalojados. Os menores vivem em Barbancourt 2, um acampamento com cerca de duas mil pessoas que perderam suas casas no terremoto e um dos que pode ser evacuado.

Seguido por um grupo de crianças, o vice-presidente do conselho do acampamento, David Bazil, que foi diretor de uma escola, percorre o local com esta jornalista mostrando os buracos e rasgos nas lonas e barracas de campanha. Também mostra uma fila de latrinas tão sujas e que são esvaziadas só de vez em quando que as pessoas preferem utilizar sacos plásticos. David segue um pequeno fio de água que sai dos chuveiros, que ficam ao lado, e escorre entre as barracas e deságua em uma piscina suja infestada de mosquitos.

Os residentes sobreviveram ao terremoto, sofreram a morte de entes queridos, perderam suas fontes de renda e casas. O acampamento agora é seu lar, e saber que podem ser expulsos só aumenta seu estresse, disse Bazil. O acampamento fica em um terreno industrial perto do aeroporto e seu proprietário, embora não esteja claro que tenha os documentos legais, quer construir uma fábrica, explicou. Não foram construídas casas para os sobreviventes, o preço do aluguel disparou e as pessoas não têm dinheiro para reformar ou refazer suas casas destruídas.

"Há seis meses que o dono nos pede para sair, mas não temos para onde ir", lamentou David. "No começo, pressionou apresentando-se com um juiz e oficiais de polícia. Há três meses nos deu outros três de prazo para partirmos', acrescentou. A IPS não conseguiu comunicar-se com o suposto proprietário.

Por outro lado, a congregação salesiana conseguiu reassentar os sobreviventes do terremoto que acampavam em uma propriedade que possui nos arredores de Porto Príncipe. O padre Pierre Ernest Bazile vive na parte maior do complexo, cujo escuro terreno serve de acampamento para os sobreviventes do terremoto. Do outro lado fica a ala das irmãs salesianas, onde foram acolhidas cerca de 13 mil pessoas até meados de agosto. O presidente da Organização de Vítimas do terremoto de 12 de janeiro, Saint Badette Mira, disse que os residentes, como ele, da propriedade das irmãs salesianas foram expulsos, alguns inclusive pela força.

Para o padre Pierre Ernest não houve uma expulsão. "Sempre dissemos a eles que era um abrigo provisório. Mas não era para partirem logo. Pensavam ter seis meses e ficaram mais tempo. Então começamos a dialogar com eles. Sabíamos das condições em que viviam em barracas de campanha que começaram a se deteriorar. Não tínhamos recursos para ajudá-los a viver com dignidade. Começamos a conversar com eles e nos disseram que queriam ir, mas não para qualquer lugar. Partiriam se conseguissem ajuda", acrescentou.

A congregação criou o projeto de reassentamento. Cada família alojada na propriedade das irmãs salesianas recebeu o equivalente entre US$ 200 e US$ 400, alimentos para duas semanas e colchões, contou o irmão Pierre Ernest. Cada família recebeu US$ 63, afirmou Saint Badette. As famílias que partiram tinham um lugar para ir, casa de amigos ou familiares. O projeto funcionou muito bem e está previsto ampliá-lo ao restante da propriedade, explicou o padre. "Estão impacientes para partir. Não os pressionamos. Temos conversas diárias com eles", acrescentou.

Pierre Ernest disse que Saint Badette é um agitador que distribui folhetos e falou na rádio contra o reassentamento. Não se recorreu à força contra ele e contra ninguém. Saint Badette afirmou que destruíram sua barraca e ameaçaram sua vida por causa de sua capacidade de organizar. No fim aceitou a oferta em dinheiro dos salesianos e partiu. "Eles dizem que era voluntário para partir, mas não é verdade. É uma vergonha que um padre haitiano faça esse tipo de declarações", afirmou.

"Dão tão pouco dinheiro às pessoas que é impossível fazer algo", acrescentou. A organização de Saint Badette ajudou as pessoas a se assentarem fora do acampamento. Saint Badette e David, do Barbancourt 2, organizaram protestos contra os despejos e receberam ajuda de Mario Joseph, do Escritório de Advogados Internacionais.

A casa é um direito consagrado pela Constituição do Haiti, de 1987, disse no dia 26 de outubro Joseph, diante da comissão Interamericana de Direitos Humanos. "O governo haitiano tem direito de negociar uma moratória contra os despejos até haver uma solução definitiva para essas pessoas. Os membros da comissão prometeram investigar", afirmou.

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