“Eis que eu
enviarei o meu anjo,
que vá adiante
de ti, e te guarde
pelo caminho, e
te introduza
no lugar que
preparei".
(Ex 23, 20-23)
DEUS, no seu
amor infinito pelos homens, entregou cada um de nós à guarda e cuidado especial
de um anjo, que nos acompanha desde o nascimento até a morte: o Anjo da Guarda.
Essa doutrina foi sempre ensinada pela Igreja (Cf. Catecismo Romano, Parte IV, cap. IX, n. 4. ) e se baseia em
testemunhos da Sagrada Escritura e da Tradição — Santos Padres, Magistério Eclesiástico, Liturgia.
As Escrituras e os Santos Padres
O Antigo
Testamento faz contínuas referências a esses anjos que nos servem de
protetores. Mais do que nos ensinar explicitamente tal verdade, parece dá-la
por suposta em suas narrações. Jacó ao abençoar seus netos, filhos de José,
diz: “Que o anjo que me livrou de todo o mal, abençõe estes meninos” (Gen 48,
16). Nas palavras seguintes de Deus a Moisés encontramos os múltiplos ofícios
que incumbem ao Anjo da Guarda, de proteção e de conselho: “Eis que eu enviarei
o meu anjo, que vá adiante de ti, e te guarde pelo caminho, e te introduza no
lugar que preparei. Respeita-o, e ouve a sua voz, e vê que não o desprezes;
porque ele não te perdoará se pecares, e o meu nome está nele. Se ouvirdes a
sua voz, e fizerdes tudo o que te digo, eu serei inimigo dos teus inimigos, e
afligirei os que te afligem. E o meu
anjo caminhará adiante de ti" (Ex 23,20-23). Por meio do profeta Baruc,
Deus comunica a Israel: “Porque o meu anjo está convosco, e eu mesmo terei
cuidado das vossas almas" (Bar 6,6). O Salmo 90 exprime, com muita poesia,
a solicitude de Deus para conosco, por meio do Anjo da Guarda: “O mal não virá
sobre ti, e o flagelo não se aproximará da tua tenda. Porque mandou (Deus) os
seus anjos em teu favor, que te guardem em todos os teus caminhos. Eles te
levarão nas suas mãos, para que o teu pé não tropece em alguma pedra” (SI 90,
10-12). E outro Salmo proclama: “O anjo do Senhor assenta os seus acampamentos
em volta dos que o temem, e os liberta” (SI 33, 8).
Lançado na cova
dos leões, por intriga de invejosos, Daniel foi socorrido por um anjo: “O meu
Deus enviou o seu anjo, e fechou as bocas dos leões e estes não me fizeram mal
algum” (Dan 6, 21). Fala-se, no Livro dos Reis, de um exército de carros que
cercavam o profeta Eliseu (4 Reis 6, 14-17). São Tomás vê aí uma imagem do
poder dos Anjos Custódios e a preponderância dos anjos bons sobre os maus. São
inúmeras as passagens do Antigo Testamento que fazem referência à doutrina
sobre os Anjos da Guarda. Em nenhuma, porém, a solicitude dos anjos para com os
homens fica tão patente como no livro de Tobias.* E por isso que ele é muito
citado sempre que se trata da matéria.
*Este
livro da Sagrada Escritura é todo ele rico de ensinamentos sobre esta doutrina,
de maneira que não basta transcrever aqui uma ou outra passagem dele; assim,
convida-mos o leitor a lê-lo diretamente na Bíblia.
Esse ensinamento se torna mais preciso no Novo
Testamento, onde a existência do Anjo da Guarda é confirmada pelo próprio
Salvador. Aos seus discípulos, advertindo-os contra os escândalos em relação às
crianças, diz: “Vêdes que não desprezeis a um só destes pequeninos, pois eu vos
declaro que os seus anjos vêem continuamente a face de meu Pai que está nos
céus” (Mt 18, 10). Essas palavras deixam claro que mesmo as crianças pequenas
têm seus Anjos Custódios, como também que estes anjos mantém a visão beatífica
de Deus ao descer à terra para atender e proteger a seus custodiados. Também
São Paulo se refere ao papel protetor dos anjos em relação aos homens: “Não são
eles todos espíritos a serviço de Deus mandados para exercer o ministério a
favor dos que devem obter a salvação?” (Heb 1, 14).
Os Santos Padres ensinam desde cedo essa doutrina
São Basílio
(329-379), entre os gregos, afirma: “Que cada qual tenha um anjo para o
dirigir, como pedagogo e pastor, é o ensinamento de Moisés” (Apud Card. J. DANIELOU, Les Anges et leur
mission, p. 93. ).
E, entre os
latinos, São Jerônimo (342-420) assim comenta passagem de São Mateus (18, 10),
acima citada, sobre os anjos das crianças: “Isto mostra a grande dignidade das
almas, pois cada uma tem, desde o nascimento, um anjo encarregado de sua
guarda" (Comm. in Evang. 5. Matth., lib. III, ad cap. XVIII, 10 Apud Card. P. GA5PARRI Catechisme
Catholique pour Adultes, p. 346. )
A crença na
existência e atuação dos Anjos da Guarda está tão firmemente estabelecida na
tradição da Igreja, que desde tempos imemoriais foi instituída uma festa
especial em louvor deles (2 de outubro).
O ensinamento dos teólogos
A partir dos
dados da Sagrada Escritura e da Tradição, teólogos foram explicitando ao longo
dos séculos uma doutrina sólida e coerente sobre os Anjos da Guarda. O príncipe
dos teólogos, São Tomás de Aquino, na sua célebre Suma Teológica, (Suma Teológica, 1,q. 113.) expõe largamente essa doutrina. O santo
Doutor justifica a existência dos Anjos da Guarda pelo princípio de que Deus
governa as coisas inferiores e variáveis por meio das superiores e invariáveis.
O homem não só é inferior ao anjo, mais ainda está sujeito a instabilidades e
variações por causa fraqueza de seu conhecimento, das paixões, etc. Assim, ele
é governado e amparado pelos anjos, que servem como instrumentos da providência
especial de Deus para com os homens. A função principal do Anjo da Guarda é
iluminar-nos em relação a verdade, à boa doutrina; mas sua custódia tem também
muitos efeitos, tais como reprimir os demônios e impedir que nos sejam causados
outros danos espirituais ou corporais. Cada homem tem um anjo especialmente
encarregado de guardá-lo, distinto do das coletividades humanas de que façam
parte. Estas têm anjos especiais para custodiá-las;
enquanto os anjos dos indivíduos pertencem ao último coro angélico, o das
coletividades ou instituições podem fazer parte dos coros e hierarquias
superiores. Como há vários títulos pelos quais um homem necessita ser
especialmente protegido (ou seja, considerado enquanto particular ou como
ocupando um cargo ou função na Igreja a ou na sociedade), um mesmo homem pode
ter vários anjos para custodiá-lo. A Virgem Santíssima, Rainha dos Anjos, teve
também não um, mas os Anjos da Guarda. Enquanto homem, Jesus teve Anjos da
Guarda; não evidentemente para protegê-Lo, pois o inferior não guarda o
superior, mas para servi-Lo. Mesmo os infiéis têm Anjos da Guarda e até o
Anti-Cristo o terá. O Anjo da Guarda nunca abandonará o homem, mesmo após a
morte, se ele for para o Paraíso, pois a custódia angélica é parte da
providência especial de Deus para com o homem, o qual jamais estará totalmente
privado da providência divina. Embora estejam normalmente no Céu, contemplando
a Deus, os Anjos da Guarda conhecem tudo o que se passa na terra com seus
protegidos; podem, então, quase imediatamente, passar de um lugar ao outro para
protegê-los ou influenciá-los beneficamente.
Santo Agostinho
pergunta: “Como podem os anjos estar longe, quando nos foram dados por Deus
para ajudar-nos?” E responde: “Eles não
se apartam de nós, embora aquele que é assaltado pelas tentações pense que
estão longe”. (Apud A. J. MacINTYRE, Os
anjos, urna realidade admirável p. 321. )
Os Anjos
Custódios nunca estão em oposição ou divergência real entre si. O relato
bíblico da luta entre o anjo da Pérsia e o anjo Protetor dos Judeus (cf. Dan
10, 13-21) em que o primeiro queria reter os hebreus na Babilônia e o segundo
desejava conduzi-los de volta à sua pátria encontra a seguinte explicação: às vezes
Deus não revela aos anjos os méritos ou os deméritos das diversas nações ou
indivíduos que eles custodiam. Enquanto não conhecem com certeza a vontade
divina, os Anjos da Guarda procuram, santamente, proteger de todas as formas os
que estão sob a sua proteção, mesmo contrariando os desejos de outros Anjos
Custódios. Mas logo que a vontade de Deus fica clara para eles, todos se
submetem pressurosos, pois o que desejam sempre é fazer a vontade divina.
Do mesmo modo
que os homens, também as instituições, os povos e os países contam com um anjo
especialmente encarregado de velar por eles. Essa doutrina tem base nas
palavras da Sagrada Escritura, onde é dito que um anjo conduzia o povo judeu
pelo deserto (Ex 23,20), e também na passagem já referida sobre a luta entre o
anjo dos Judeus e o anjo dos Persas (Dan 10, 13-21).
É também o que
ensina São Basílio: “Entre os anjos, uns são prepostos às nações; os outros são
companheiros dos fiéis”. ( Apud Card. J. DANIELOU,
Les Anges et leur Mission, p. 93. )
São Miguel
Arcanjo era o protetor de Israel enquanto povo eleito (Dan 10, 13-21);
atualmente ele é o protetor do novo povo de eleição, a Igreja. As aparições de
Nossa Senhora em Fátima. foram precedidas pela do Anjo de Portugal.
Efeitos da custódia dos anjos
Os efeitos da
custódia dos anjos são, uns corporais, outros espirituais, ordenados, uns e
outros, à salvação eterna do homem. Os efeitos são corporais, na medida em que
impedem ou livram dos perigos ou males do corpo, ou auxiliam os homens nas
questões materiais, conforme consta no livro de Tobias (cap. 5 e seguintes). E
são espirituais, sempre que os anjos nos defendem contra os demônios (Tob 8,
3); rezam por nós e oferecem nossas preces a Deus, tornando-as mais eficazes
pelas sua intercessão (Apoc 8, 3; 12); nos sugerem bons pensamentos,
incitando-nos assim a fazer o bem (At 8, 26; 10, 3ss),* por meio de estímulos
da imaginação ou do apetite sensitivo; do mesmo modo, quando nos infligem penas
medicinais para nos corrigir (2 Reis 24, 16); ou ainda, na hora da morte,
fortalecem-nos contra o demônio; os anjos conduzem diretamente para o Céu as
almas daqueles que morrem sem precisar passar pelo Purgatório, e levam para o
Paraíso as almas que já passaram pela purgação necessária; eles também visitam
as almas do Purgatório para as consolar e fortalecer, esclarecendo-as glória do
céu, etc.
*Há vários
exemplos disso na Sagrada Escritura:
Os Atos dos
Apóstolos relatam a aparição de um anjo ao Centurião Cornélio, homem religioso
e temente a Deus, para instruí-lo sobre como proceder para conhecer a
verdadeira religião: "Este (Cornélio) viu claramente numa visão que um
anjo de Deus se apresentava diante dele, e lhe dizia: Cornélio ... as tuas
orações e as tuas esmolas subiram como memorial à presença de Deus. E agora envia
homens a Jope a chamar um certo Simão que tem por sobrenome Pedro ... ele te
dirá o que deves fazer" (At 10, 1-6). E nos mesmos Atos se lê como um anjo
inspira São Filipe Diácono a desviar-se de seu caminho, para fazê-lo
encontrar-se com o ministro da Rainha Candace, da Etiópia, e batizá-lo, depois
de instruí-lo na doutrina cristã (At 8, 26). A custódia dos anjos nos livra de
inúmeros perigos tanto para a alma como para o corpo. Entretanto, ela não nos
livra de todas as cruzes e sofrimentos desta vida, que Deus nos manda para
nossa provação e purificação; nem daquelas tentações que Deus permite para que
mostremos nossa fidelidade. Porém eles sempre nos ajudam a tudo suportar com
paciência e vencer com perseverança. Às vezes parece que os anjos não nos estão
atendendo; é preciso então rezar com mais insistência até que esse socorro se
perceba. Mas pode ocorrer de não sermos ouvidos, não porque faltem aos anjos
poder ou desejo de nos ajudar, mas é que aquilo que estamos pedindo não é o
melhor para a nossa eterna salvação, que é o que antes de tudo eles procuram.
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