Hoje temos a consciência de que nossa vida e nossa saúde estão intimamente ligadas ao
oikós, a casa de todos nós, isto é, com a saúde do planeta, e de modo mais particular com o
ambiente. O cuidado com a criação, com o meio ambiente, recebe uma atenção toda particular.
A ecologia mais do que qualquer outra ciência conclui a natureza como totalidade organizada,
diferenciada e única.
A ecologia para Boff (1993, p. 86) pode ser entendida de forma sintética em quatro
maneiras. A primeira, a ecologia ambiental, que trata da relação entre ser humano e meio
ambiente. A segunda, a ecologia social, que trata da relação entre os seres humanos dentro das
relações com o ambiente (a questão do acesso aos recursos naturais, a desigualdade sócioeconômica).
A terceira, a ecologia mental, que trata da natureza tal como representada no
interior da mente sob forma de energias psíquicas, símbolos, arquétipos e padrões de
comportamento.
Para a teologia, a ecologia se apresenta não como um objeto, mas como um desafio. É
fato e muito comum que o meio midiático aborda o “ambiental” e o “ecológico’ como
sinônimos. Entretanto, na ciência o ambiental é relativo ao ambiente; e o ecológico é um
pensamento relativo dentro da ciência da biologia. No entanto, seu campo semântico foi
ampliado às famosas ecologias de Félix Guattari: o ambiental, a social e a mental.
Não haverá verdadeira resposta à crise ecológica a não ser em escala planetária
e com a condição de que se opere uma autêntica revolução política, social e
cultural reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais.
Essa revolução deverá concernir, portanto, não só às relações de forças visíveis
em grande escala, mas também aos domínios moleculares de sensibilidade, de
inteligência e de desejo (GUATTARI, 2001, p. 36).
A ecologia não pode ficar à margem do desafio do diálogo entre a fé, a razão e as
ciências. Pois é neste sóbrio diálogo que cada ciência, inclusive a teologia, deve apresentar suas
conclusões e por consequência suas contribuições. Um olhar para o meio ambiente tendo por
base uma perspectiva teológica é resultado do estabelecimento de uma premissa hermética que
existe uma relação profunda entre o ser humano religioso e o mundo como um todo. Pierre
Teilhard de Chardin afirma que “o universo caminha para um ponto final de amadurecimento
e perfeita união com a realidade divina”.
Segundo Moltmann (2010, p. 135) o clímax desse uso correto e racional do mundo e da
criação carrega em si dimensões escatológicas, onde o eixo da escatologia é deslocado: da
projeção ao além-morte para a promessa e o futuro. A comprovação dessa escatologia
eminentemente histórica se consolida na medida em que aquela antiga concepção de teologia,
tipicamente ascética e a mística carregada de tons cinzentos, devem ser encaradas como uma
espécie de sonho que acabou.
Alguns autores utilizam a expressão “ecoteologia” ou “teologia ecológica” para
designar o resultado deste proficiente diálogo, que traz elementos novos tanto para a teologia
quanto para a ecologia.
O teólogo e ex-frade franciscano Leonardo Boff se constitui como aquele que inspira a
ecoteologia e está como que aquele que mais tem refletido sobre a ecologia no contexto
teológico na América Latina, ressalta que “só o cuidado garantirá a sustentabilidade do sistemaTerra
com todos os seres da comunidade de vida entre os quais se encontra o ser humano. Sua
função é a do jardineiro, como se relata no segundo capítulo do Gênesis.” É preciso que se
articule “o grito do oprimido com o grito da Terra. O grito do oprimido conheceu uma poderosa
reflexão calcada sobre práticas da Libertação.” (BOFF, 2007, p. 93; BOFF, 1996, p. 98).
A teologia ecológica se encontra numa condição muito parecida àquela, a qual viveu a
teologia da libertação, há tempos passados, por adotar conceitos radicalmente novos,
perguntando pela legitimidade e limite deste uso. “A dessemelhança reside no acento: não mais
na práxis libertadora, de cunho eminentemente social, mas na postura ética e na mística que
animam a existência” (LIBANIO, MURAD, 1998, p. 135).
O tema da ecoteologia se tornou cada vez mais comum em congressos, seminários e
simpósios de teologia, fato promissor que sinaliza existir uma sensibilidade crescente nos meios
eclesiais para tal questão. O núcleo da ecoteologia e a unidade da experiência salvífica onde
esta envolve: a criação, a história, a encarnação, a redenção e a consumação, sobretudo em um
processo de realização, incluindo necessariamente a ecoesfera, a comunidade biótica etc
(MURAD, 2009, p. 289).
Assim, a ecoteologia instiga à produção um novo conhecimento, através da superação
da fragmentação dos saberes e de uma visão holística, que integra emoção e razão, experiência
e contextualização. Por consequência, espiritualidade também é influenciada, pois se a criação
é obra das mãos de Deus, com seus processos constitutivos e está fundada na Palavra Criadora
do Filho e sustentada pelo Espírito Santo, ela adquire um valor espiritual. Desta forma
revaloriza-se a comunhão com o ecossistema e redescobre-se sua dimensão sacramenta.
A ecoteologia vem corroborar à estruturação de um cristianismo atual, coerente e repleto
de vida, vida que emana da fé e que produz no coração de homens e mulheres a esperança de encontrar um fio condutor na relação ao cosmos. A ecoteologia vem compreender que todos os
seres estão em Deus e para ele se destinam, pois foram criados pelo Pai, por meio da Palavra (o
filho), no Espírito. Este sustenta, renova e leva à consumação a criação. “E contemplar a Deus
na história humana e nas relações dos ecossistemas significa viver uma espiritualidade, na qual
se supera a dicotomia entre matéria e espírito” (MAÇANEIRO, 2011, p. 94).
A ecoteologia configura-se como um importante instrumento na condução da
humanidade a libertação e a libertação do planeta, porque postula em prol da vida e instiga, em
nós humanos, uma práxis de transformação social fundamentada numa ética ambiental e na
mística que anima a existência humana em relação ao meio natural.
Esta forma de rever a teologia a partir de uma dimensão holística marca um valor inteiro
à causa de todos, onde todos são responsáveis uns pelos outros. Assim o fluxo teológico global
trata de questões que afetam a todos da casa, a Oikoumene que significa a toda a terra.
Uma dimensão holística vem servir à construção de um cristianismo atual, coerente e
cheio de vida, boa nova para homens e mulheres desesperançados da (pós-modernidade, em
busca de um fio condutor, sedentos por nova forma de enfocar a posição do ser humano em
relação ao cosmos. O fato de o cristão aderir a uma nova mentalidade, compartilhada por grupos
não-cristãos ou pós-cristãos, como a “Nova Era”, não faz com que automaticamente esta
mentalidade seja rejeitada pela comunidade eclesial. Existem ai “sinais dos tempos”, sementes
do Verbo que pedem reconhecimento e valorização. Há que evitar, no entanto, um pretenso
neo-universalismo que a tudo dilui e relativiza, esvaziando o conteúdo da proposta de Jesus
Cristo, a novidade radical do Evangelho. O cristianismo denuncia sobretudo as novas
pretensões de “auto-realização” e o otimismo ingênuo, embutidos na “espiritualidade
ecológica” moderna.
O afetar a todos se dá por meio de uma consciência ecológica, de uma formação ética
para que o consumir não seja um desafiar a justiça social e os direitos do próximo. Se formos
orientados, ou melhor, se formos educados a consumir sem exaurir o meio ambiente, se
alcançarmos um acordo sobre a “estética do consumo” no mundo pós-industrial, então
poderemos propor uma estratégia de educação integrada e permanente para a sustentabilidade
do outro mundo possível (CAMPOS, 2008, p. 348).
A teologia vem, com a ecoteologia, desenvolver uma linguagem que combate pela
justiça social e pela igualdade, onde numa prática pastoral, realizar-se-á a responsabilidade
social ecológica da igreja. O movimento resultando da teologia ecológica é um arquétipo
singular de ação religiosa, que propõe uma refutação moral e religiosa para um problema
ambiental.
Postar um comentário
Postar um comentário