A palavra “liturgia” é uma palavra grega. Na língua grega a palavra “liturgia” tem a ver com “prestação de serviço”, serviço geralmente comunitário.

Estamos no ano paulino. Paulo escreveu suas cartas em grego e, em três delas (Romanos, Filipenses e 2Coríntios), falando da novidade cristã, usou sete vezes a palavra “liturgia” ou seu derivado “liturgo” e que, em algumas Bíblias, se traduz por “ministério”, “ministro” e “oferta”.

Vejamos:
Falando do respeito que os cristãos devem às autoridades (Rm 13,1-7), o apóstolo chama os magistrados de “liturgos” (ministros) de Deus (Rm 13,6). Em outras palavras, como são “instituídos por Deus” (v. 1) para cuidar do bem comum da sociedade (como se supõe), eles são “prestadores de serviço” (liturgos) do próprio Deus.

Em outro lugar, o apóstolo afirma que os cristãos de origem pagã, em retribuição por terem recebido da tradição judaica (por Cristo) a graça de serem cristãos, devem “prestar serviço” (liturgia) às comunidades cristãs judaicas, ajudando-as com bens materiais (Rm 15,27).

De fato, recolher esmolas para a carente comunidade cristã de Jerusalém é uma “liturgia” (2Cor 9,12), ou seja, uma “prestação de serviço” que, com certeza, redunda em ação de graças a Deus e em benefício também para quem fez a oferta (cf. vv. 6-16).

Ou ainda: Epafrodito, companheiro de trabalho e de lutas de Paulo, levando para o apóstolo as ofertas dos filipenses, foi-lhe um valioso “liturgo” (prestador de serviço), “prestou-lhe um atencioso serviço” (liturgia) (Fl 2,25.30).

Como se vê, Paulo usa a palavra “liturgia” no seu sentido originário grego para falar da “prestação de serviço” social (comunitário), por parte das autoridades e dos cristãos em geral, como forma de, no fundo, honrar o próprio Deus.

A palavra “liturgia”, portanto, para Paulo cheira compromisso social, compromisso com a vida, cheira o que é essencial na “novidade” cristã: a fé operando pela caridade (Gl 5,6; cf. 1Cor 13,1-13).

O próprio Paulo, na qualidade de evangelizador, se autodenomina “liturgo” também, isto é, “prestador de serviço” (ministro, colaborador) da boa nova junto aos pagãos, para que a entrega deles em Cristo ao serviço fraterno uns dos outros seja aceita e santificada pelo Espírito Santo.

Diz o apóstolo, textualmente: “Sou ministro (liturgo) de Cristo Jesus entre os pagãos, encarregado de um ministério sagrado no Evangelho de Deus, para que a oblação dos pagãos [sua entrega a serviço do projeto de Cristo] seja aceita e santificada pelo Espírito Santo” (Rm 15,16).

Assim sendo, Paulo chega a se declarar disposto a derramar seu sangue (se for o caso) sobre o sacrifício e a oferta (liturgia) da fé dos filipenses (Fl 2,17). Em outras palavras, a fé dos filipenses transformada em compromisso fraterno é um verdadeiro sacrifício, uma “liturgia” (uma prestação de serviço) para o próprio Deus.

Por este sacrifício e esta “liturgia”, Paulo se dispõe a arriscar tudo de si, o que lhe é inclusive motivo de alegria e congratulação para com os filipenses.
Concluindo, a palavra “liturgia” nos escritos do apóstolo Paulo evoca bem aquele culto espiritual proclamado pelos profetas e vivido em plenitude por Jesus Cristo como ação (trabalho, luta) em favor dos pobres, em favor de uma comunidade humana justa e fraterna.

Culto espiritual, cuja causa é a causa do Reino “da verdade e da vida, da santidade e da graça, da justiça, do amor e da paz” (cf. Prefácio da Solenidade de Cristo Rei). Da “liturgia” como “prestação de serviço” desabrocha e cresce a vida do ser humano e isso é a glória de Deus (Santo Ireneu).

Por Frei José Ariovaldo da Silva, OFM

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