Todos nós conhecemos a texto evangélico do doutor da lei que, querendo por à prova o divino Mestre, dirigiu-lhe a palavra perguntando: “Qual o maior preceito da lei?”

Jesus lhe respondeu: “O maior mandamento é este: amarás o Senhor teu Deus de todo o coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento.” E continuou: “o segundo é semelhante a este: amarás o teu próximo como a ti mesmo” E concluiu: “Nestes dois mandamentos estão contidos toda a lei e os profetas” É a narração de Mateus (Cf. 22,34-41) e Marcos (Cf. 12, 28-34) com pequenas nuances.


Lucas (Cf. 10,25-37) tem texto semelhante, mas, à pergunta do legista sobre como entrar na vida eterna, fá-lo ele próprio responder. E este querendo justificar o seu questionamento, pergunta quem é o seu próximo.


Conhecemos o episódio. Sabemos de cor a lei. Mas também querendo nos justificar, não quanto à pergunta, mas quanto ao nosso procedimento, repetimos o mesmo questionamento: “quem é o meu próximo?”


No texto de São Lucas, segue-se a parábola do bom samaritano. Aquele homem que, numa viagem, foi assaltado, deixando-o os assaltantes quase morto à beira da estrada. Por ele passou muita gente importante e que nem deu-lhe atenção. Somente um estrangeiro, inimigo político, teve coragem e a ousadia de se inclinar sobre ele e dar-lhe todo o socorro.


A cena parece de nossos dias. À beira de nossas ruas, há crianças e idosos abandonados, morando nas galerias pluviais ou debaixo de pontes e viadutos, famintos e desnutridos nas favelas. Há filas nos hospitais públicos e também, coisa que nem reparamos, tantos de idade avançada, solitários em suas casas, sem ninguém que lhe dê uma palavra amiga, o conforto de uma visita, quando até os filhos não lhes retribuem o amor.


Passamos ao largo. Nem imaginamos serem eles da mesma carne que somos. Preferimos que desapareçam, ainda que seja com a destruição da vida, como muitos cristãos defendem na permissão legislativa do aborto, na esterilização dos pobres, quando não na defesa de guerras cujo fim é estritamente de poder.

Como poderemos dizer que cumprimos o mandamento, que amamos a Deus que não vemos, pergunta-nos São João (Cf. 1Jo 4,20), se não amamos o irmão que está a nosso lado. A expressão joanina é forte: “é um mentiroso”.


Os tempos são maus. O ódio, a intriga, a inveja e os demais vícios enchem a páginas dos noticiários e põem a população atormentada e com medo de andar nas ruas, de sair de casa, esta cada vez mais trancada como se fosse prisão. Clamamos por medidas de segurança, quando deveríamos pedir mais amor. Não sabemos perdoar. Deliciamo-nos com as denúncias nunca apuradas, porque condenadas pelo público no primeiro momento antes de serem esquecidas na volatilidade do tempo.


Vamos viver o nosso cristianismo. Sejamos como os vicentinos, voltados para a prática da caridade. Tenhamos coragem de esboçar pelo menos um sorriso para o irmão sofredor, como fazia o nosso inesquecível e sempre santo Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, que esquecia-se o tempo para atender a todos que o procuravam: “em que posso servi-lo”.


Voltemo-nos ao mandamento. Cristo foi ainda mais incisivo, quando na última ceia, nos mandou que amássemos o irmão não só até quanto amamos a nós mesmos, mas na medida com que ele nos amou, “até ao extremo” humilhando-se e fazendo-se obediente até a morte.


Criados à imagem e semelhança de Deus, nossa glória, pelos méritos do Redentor, devemos refletir a essência divina, que é o amor. Somente assim podemos sanar as chagas e efeitos do pecado em nós e no nosso meio. Restabelecer a ordem da criação, tão bem sintetizada na profecia de Isaias, quando o cordeiro pastará ao lado do lobo e uma criancinha brincará com as feras. Viver em paz!


Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO

ARCEBISPO METROPOLITANO DE JUIZ DE FORA, MG.

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