Deus quis ser hóspede em nossa vida, e se fez tão próximo, tão íntimo, que se tornou familiar para nós, tornou-se um de nós, membro da nossa família.

O Filho de Deus ao se encarnar em nossa realidade humana quis experimentar o drama de toda família. Na verdade “a família mais do que qualquer outra realidade, participa da ambigüidade inerente à condição humana, que nos faz simultaneamente dementes e sapientes, sim-bólicos e dia-bólicos, numa palavra, nos revela a coexistência viva de contradições. Por isso, por um lado, encerra altíssimos valores e, por outro, contém deformações lamentáveis. Daí viver a família em permanente crise, com chances de acrisolamento e de crescimento ou, também, com riscos de decadência e de deterioramento de sua situação” (Leonardo Boff, São José a personificação do Pai, Verus, São Paulo, 2005).

“No limiar do Novo Testamento, como já acontecera no princípio do Antigo, há um casal. Mas, enquanto o casal formado por Adão e Eva tinha sido fonte do mal que inundou o mundo, o casal formado por José e Maria constitui o vértice, do qual se expande por toda a terra a santidade... é na Sagrada Família, por um misterioso desígnio divino, que viveu escondido durante longos anos o Filho de Deus: ela constitui, portanto, o protótipo e o exemplo de todas as famílias cristãs” (João Paulo II, Redemptoris Custos, 7).

Para São Lucas, a estada em Belém da Sagrada Família, foi transitória. O tempo de Nazaré é um tempo de intimidades profundas, de silêncio, oculto, nesta desconhecida cidade. Em Nazaré é onde Jesus se criou, é sua cidade, onde o menino crescia e tornava-se, cheio de sabedoria e graça de Deus (cf. Lc 2, 39-40). Ali Jesus se faz homem, sua personalidade psicológica se imprime e se mescla nas tradições socioculturais e religiosas de seu povo, e onde amadurece um projeto que um dia deve levar a cabo. Sabemos que historicamente ficam muitas coisas por explicar; é um segredo que guarda Nazaré.

A escola do Evangelho e a escola onde se começa a compreender a vida de Jesus é Nazaré. Aqui se aprende a olhar, a escutar, a meditar e a penetrar o significado, tão profundo e tão misterioso, dessa muito simples, humilde e bela manifestação do Filho de Deus no meio da humanidade.

A família hoje influenciada pela cultura dominante está sendo arrastada por vários fatores: o ritmo da vida moderna, principalmente nas cidades; o regime de trabalho do casal (ambos trabalham fora) terceirizando funções que antes eram próprias da família como o cuidado do bebê, arrumação da casa etc.; a erotização generalizada dos meios de comunicação e a grande influência desses meios na opinião e no modo de vida das pessoas; as dificuldades econômicas; o consumismo, a família está mais interessada em oferecer bens materiais e os valores não materiais como a gratuidade, a solidariedade, o amor, a espiritualidade ocupam lugar irrelevante; a desvalorização da religião como geradora de sentido para a vida; a dimensão espiritual privatizada ou se perde juntamente com a perda dos valores éticos, morais e humanos mais sólidos; o individualismo; a introdução do divórcio e das separações dando lugar a famílias unipessoais ou multiparentais, com conhecidos problemas de relacionamentos, onde as maiores vítimas são as crianças, a quem se negam as condições fundamentais que ocorrem nos três primeiros anos, de elaborar, em contato com a mãe e, em seguida, com o pai, as disposições básicas que vão orientar toda a vida: a ausência cada vez maior de um dos genitores junto aos filhos; as novas formas de coabitação, crescem no mundo todo as uniões entre homossexuais (homens e mulheres), as uniões livres ou consensuais que perduram enquanto houver parceria etc. Toda essa realidade nos leva a pensar que a família passa por transformações histórico-sociais, está mudando de lugar: tem hoje outro perfil e outro papel na vida das pessoas, e por isso mesmo tem outra importância, comparada à situação de algumas décadas atrás.

Mudanças sempre acontecerão. Novos desafios sempre surgirão. Nossa preocupação não deve ser a de manter a família onde estava e como era no passado, mas, ajudá-la a encontrar sua nova posição, sem que os fatores da cultura contemporânea a destruam ou a desfigurem.

“Mas, o que tem a ver a família de Nazaré com a atual e contraditória família humana? Como ela nos pode iluminar e inspirar? Antes de qualquer resposta possível, cumpre reconhecer a radical diferença de situações e de modelos de família. Não há apenas uma distância temporal de dois mil anos, mas também uma distância cultural considerável. A família de Nazaré vive a cultura agrária, ligada diretamente a relações primárias. Nós vivemos da cultura tecnicocientífica. Nesse âmbito, Nazaré não nos poderá dizer, diretamente nada. Mas isso não é tudo o que se pode dizer. O que nos tem a dizer se situa num outro âmbito, que pode nos concernir a todos. Tanto lá como aqui, estamos às voltas com pessoas humanas que amam, que se angustiam, que têm perplexidades e que buscam sentido, que trabalham e que cuidam. Todas essas pessoas são habitadas por sonhos, valores e propósitos de felicidade e paz... o núcleo imutável da família é o afeto, o cuidado de um para com o outro e a vontade de estarem juntos, estando também abertos à procriação de novas vidas. Esse é o lado permanente, dentro do lado cambiante... Sendo assim, o que nos tem a dizer a família de Nazaré? Exatamente esse lado de relação, de amor, de cuidado, de piedade e de fidelidade a três: Jesus, Maria, José. Eles se transformaram em arquétipos cristãos que, num nível profundo e coletivo, continuam a alimentar o imaginário dos fiéis e a suscitar valores que dão sentido e trazem a felicidade à família”. (Leonardo Boff, São José a personificação do Pai)

A Sagrada Família de Nazaré confronta-nos com Jesus, Maria e José, na sua vida escondida em Nazaré. “Cristo quis nascer e crescer no seio da Sagrada Família de José e Maria. A Igreja não é outra coisa senão ‘a família de Deus’... Em nossos dias, num mundo que se tornou estranho e até hostil à fé, as famílias cristãs são de importância primordial, como lares de fé viva e irradiante. Por isso o Concilio Vaticano II chama a família, usando uma antiga expressão, de ‘Igreja doméstica’. É no seio da família que os pais são ‘para os filhos, pela palavra e pelo exemplo... os primeiros mestres da fé. E favorecem a vocação própria a cada qual, especialmente a vocação sagrada... o lar é também a primeira escola de vida cristã e uma escola de enriquecimento humano. É aí que se aprende a resistência ao cansaço e a alegria do trabalho, o amor fraterno, o perdão generoso e mesmo reiterado e, sobretudo, o culto divino pela oração e oferenda da vida... (Catecismo da Igreja católica 1655-1658).

À semelhança da Igreja, a família cristã é uma comunidade de amor, na qual os pais exercem em nome de Deus Pai e como instrumentos seus, o ministério de gerar, alimentar, cuidar, guiar e servir amorosamente seus filhos, e estes são chamados a descobrir, desenvolver e colocar a serviço dos demais suas qualidades, dons e carismas, como em Nazaré onde o menino Jesus crescia no seio da família e tornava-se, cheio de sabedoria e graça de Deus (cf. Lc 2, 39-40).

A família cristã tem uma missão elevada na Igreja e no mundo no qual a Igreja deve anunciar, com a palavra e com o exemplo vivo de seus membros, a presença de Cristo e de sua graça. A família cristã vive o mistério do amor de Cristo à Igreja quando seus membros se expressam mutuamente o amor, a misericórdia, o serviço, a doação mútua, quando compartilham sua fé e se esforçam por viver de acordo com a vontade de Deus e com as exigências da caridade. Ao mesmo tempo em que percebe em si mesma a ação da graça de Cristo e dá glória ao Pai com suas obras. Que a família cristã se transforme em testemunha da dignidade, da graça de Deus e da santidade da família dentro da sociedade.

Postar um comentário

Tecnologia do Blogger.