Cristo morreu por nossos pecados (cfr. Rm 4, 25) para livrar-nos deles e resgatar-nos para a vida divina.

1. O sentido geral da Cruz de Cristo

1.1. Algumas premissas:

O mistério da Cruz se enquadra no marco geral do projeto de Deus e da vinda de Jesus ao mundo. O sentido da criação é dado por sua finalidade sobrenatural, que consiste na união com Deus. Entretanto, o pecado alterou profundamente a ordem da criação; o homem deixou de ver o mundo como uma obra cheia de bondade, e o converteu em uma realidade equívoca. Pôs sua esperança nas criaturas e, como meta, fixou para si falsos fins terrenos.

A vinda de Jesus Cristo ao mundo tem como finalidade reimplantar no mundo o projeto de Deus e conduzi-lo eficazmente ao seu destino de união com Ele. Para isso, Jesus, verdadeira Cabeça do gênero humano [1], assumiu toda a realidade humana degradada pelo pecado, fê-la sua, e a ofereceu filialmente ao Pai. Deste modo, Jesus Cristo restituiu a cada relação e situação humana seu verdadeiro sentido, em dependência de Deus Pai.

Este sentido ou fim da vinda de Jesus Cristo se realiza em sua vida inteira, em cada um de seus mistérios, nos quais Jesus Cristo glorifica plenamente ao Pai. Cada acontecimento e cada etapa da vida de Cristo tem uma finalidade específica em ordem a este objetivo salvador [2].

1.2. Aplicação ao mistério da Cruz:

A finalidade própria do mistério da Cruz é cancelar o pecado do mundo (cfr. Jo 1, 29), algo absolutamente necessário para que se possa realizar a união filial com Deus. Esta união é, como já dissemos, o objetivo último do plano de Deus (cfr. Rm 8, 28-30).

Jesus cancela o pecado do mundo carregando-o sobre seus ombros e anulando-o na justiça de seu santo coração [3]. Nisto consiste essencialmente o mistério da Cruz.

a) Carregou nossos pecados. Isto se vê, em primeiro lugar, pela história de sua paixão e morte relatada nos Evangelhos. Estes fatos, sendo a história do Filho de Deus encarnado, e não de um homem qualquer, mais ou menos santo, têm um valor e uma eficácia universais, que alcançam toda a raça humana. Neles, vemos que Jesus foi entregue pelo Pai às mãos dos pecadores (cfr. Mt 26, 45) e que Ele mesmo permitiu voluntariamente que a maldade deles determinasse em tudo sua sorte (d’Ele). Como diz Isaias ao apresentar sua impressionante figura de Jesus [4]: “humilhou-se e não abriu a boca. Como uma ovelha levada ao matadouro, e como um cordeiro diante do que o tosquia, guardou silêncio e não abriu sequer a sua boca” (Is 53, 7).

Cordeiro sem mancha, aceitou livremente os sofrimentos físicos e morais impostos pela injustiça dos pecadores e, nela, assumiu todos os pecados dos homens, toda ofensa a Deus. Cada agravo humano é, de algum modo, causa da morte de Cristo. Dizemos, neste sentido, que Jesus ‘carregou’ nossos pecados no Gólgota (cfr. 1P 2,24).

b) Eliminou o pecado em sua entrega. Mas Cristo não se limitou a carregar nossos pecados, mas também os ‘destruiu’, os eliminou. Pois carregou com os sofrimentos na justiça filial, na união obediente e amorosa para com seu Pai Deus e na justiça inocente, de quem ama o pecador, ainda que este não o mereça: de quem busca perdoar as ofensas por amor (cfr. Lc 22,42; 23,34). Ofereceu ao Pai seus sofrimentos e sua morte em nosso favor, para nosso perdão: “em suas chagas fomos curados” (Is 53,5).

Fruto da Cruz é, portanto, a eliminação do pecado. Deste fruto se apropria o homem através dos sacramentos (sobretudo da Confissão sacramental) e se apropriará definitivamente depois desta vida, se foi fiel a Deus. Da Cruz procede a possibilidade para todos os homens de viver afastados do pecado e de integrar os sofrimentos e a morte ao próprio caminho da santidade.

Deus quis salvar o mundo pelo caminho da Cruz, mas não porque ame a dor ou o sofrimento, pois Deus só ama o bem e o fazer o bem. Não quis a Cruz com uma vontade incondicionada, como quer, por exemplo, que existam as criaturas, mas a quis praeviso peccato, sobre o pressuposto do pecado. Há Cruz porque existe o pecado. Mas também porque existe o Amor. A Cruz é fruto do amor de Deus ante o pecado dos homens.

Deus quis enviar seu Filho ao mundo para que realizasse a salvação dos homens com o sacrifício de sua própria vida, e isto fala em primeiro lugar sobre o próprio Deus.Concretamente, a Cruz revela a misericórdia e a justiça de Deus:

a) A misericórdia. A Sagrada Escritura refere com freqüência que o Pai entregou seu Filho às mãos dos pecadores (cfr. Mt 26,54), que não poupou o se próprio Filho. Pela unidade das Pessoas divinas na Trindade, em Jesus Cristo, Verbo encarnado, está sempre presente o Pai que o envia. Por este motivo, após a decisão livre de Jesus de entregar sua vida por nós, está a entrega que o Pai nos faz de seu Filho amado, consignando-o aos pecadores; esta entrega manifesta mais que qualquer outro gesto da história da salvação o amor do Pai para com os homens e sua misericórdia.

b) A Cruz nos revela também a justiça de Deus. Esta não consiste tanto em fazer pagar o homem pelo pecado, mas, mais propriamente, em devolver ao homem o caminho da verdade e do bem, restaurando os bens que o pecado havia destruído. A fidelidade, a obediência e o amor de Cristo para com seu Pai Deus; a generosidade, a caridade e o perdão de Jesus a seus irmãos os homens; sua veracidade, sua justiça e inocência, mantidas e afirmadas na hora de sua paixão e de sua morte, cumprem esta função: esvaziam o pecado de sua força condenatória e abrem nossos corações à santidade e à justiça, pois se entrega por nós. Deus nos livra de nossos pecados pela via da justiça, pela justiça de Cristo.

Como fruto do sacrifício de Cristo e pela presença de sua força salvadora, podemos sempre comportar-nos como filhos de Deus, qualquer que seja a situação que estejamos atravessando.

Jesus conheceu desde o princípio, e de modo adequado ao progresso de sua missão e de sua consciência humana, que o rumo de sua vida o conduzia à Cruz. E o aceitou plenamente: veio para cumprir a vontade do Pai até o último detalhe (cfr. Jo 19,28-30), e esse cumprimento levou-o a “dar sua vida em resgate de muitos” (Mc 10,45).

Na realização da tarefa que o Pai lhe havia encomendado, encontrou a oposição das autoridades religiosas de Israel, que consideravam Jesus um impostor. De modo que “alguns chefes de Israel acusaram Jesus de agir contra a Lei, contra o templo de Jerusalém, e em particular contra a fé no Deus único, porque Ele se proclamava Filho de Deus. Por isso, O entregaram a Pilatos, para que O condenasse à morte.” (Compêndio, 113).

Os que condenaram Jesus pecaram ao rechaçar a Verdade que é Cristo. Na verdade, todo pecado é um desprezo de Jesus e da verdade que Ele nos trouxe da parte de Deus. Neste sentido, todo pecado encontra lugar na Paixão de Jesus. “A paixão e a morte de Jesus não podem ser imputadas indistintamente nem a todos os judeus então vivos, nem aos outros judeus que depois viveram no tempo e no espaço. Cada pecador, isto é, cada homem, é realmente causa e instrumento dos sofrimentos do Redentor, e culpa maior têm aqueles, sobretudo se são cristãos, que mais frequentemente caem no pecado ou se deleitam nos vícios” (Compêndio, 117).

Jesus morreu por nossos pecados (cfr. Rm 4,25), para livrar-nos deles e resgatar-nos da escravidão que o pecado introduz na vida humana. A Sagrada Escritura diz que a paixão e morte de Cristo são: a) sacrifício de aliança, b) sacrifício de expiação, c) sacrifício de propiciação e de reparação pelos pecados, d) ato de redenção e libertação dos homens.

a) Jesus, oferecendo sua vida a Deus na Cruz, instituiu a Nova Aliança, isto é, a nova forma de união de Deus com os homens que havia sido profetizada por Isaias (cfr. Is 42,6), Jeremias (cfr. Jr 31, 31-33) e Ezequiel (cfr. Ez 37,26). O Novo Pacto é a aliança selada no corpo de Cristo entregue por nós e em seu sangue derramado por nós (cfr. Mt 26,27-28).

b) O sacrifício de Cristo na Cruz tem valor de expiação, isto é, de limpeza e purificação do pecado (cfr. Rm 3,25; Hb 1,3; 1 Jo 2,2; 4,10).

c) A Cruz é sacrifício de propiciação e de reparação pelo pecado (cfr. Rm 3,25; Hb 1,3; 1 Jo2,2; 4,10). Cristo manifestou ao Pai o amor e a obediência que nós homens lhe havíamos negado com nossos pecados. Sua entrega fez justiça e satisfez o amor paterno de Deus que havíamos rechaçado desde o início da história.

d) A Cruz de Cristo é ato de redenção e de libertação do homem. Jesus pagou nossa liberdade com o preço de seu sangue, isto é, de seus sofrimentos e de sua morte (cfr. 1 P 1,18). Mereceu com sua entrega nossa salvação para incorporar-nos ao reino dos céus: “Ele nos livrou do poder das trevas e nos transladou ao Reino do Filho de seu amor, no qual temos a redenção: o perdão dos pecados.” (Col 1,13-14).

O principal efeito da Cruz é eliminar o pecado e tudo aquilo que se opõe à união do homem com Deus.

A Cruz, além de cancelar os pecados, nos livra também do diabo, que dirige ocultamente a trama do pecado, e da morte eterna. O diabo nada pode contra quem está unido a Cristo (cfr. Rm 8,31-39) e a morte deixa de ser separação eterna de Deus, e permanece apenas como porta de acesso ao destino último (cfr. 1 Co 15,55-56).

Removidos todos estes obstáculos, a Cruz abre para a humanidade o caminho da salvação, a possibilidade universal da graça.

Junto com sua Ressurreição e sua gloriosa Exaltação, a Cruz é causa da justificação do homem, isto é, não só da eliminação do pecado e dos demais obstáculos, mas também da infusão da vida nova (a graça de Cristo que santifica a alma). Cada sacramento é um modo diverso de participar na Páscoa de Cristo e de apropriar-se da salvação que dela provém. Concretamente, o Batismo livra-nos da morte introduzida pelo pecado original e nos permite viver a vida nova do Ressuscitado.

Jesus é a causa única e universal da salvação humana: o único mediador entre Deus e os homens. Toda graça de salvação dada aos homens provém de sua vida e, em particular, de seu mistério pascal.

Como acabamos de dizer, a Redenção realizada por Cristo na Cruz é universal, estende-se a todo o gênero humano. Mas é preciso que chegue a aplicar-se a cada um os frutos e os méritos da Paixão e Morte de Cristo, principalmente por meio da fé e dos sacramentos.

Nosso Senhor Jesus Cristo é o único mediador entre Deus e os homens (cfr. 1 Tm 2,5). Mas Deus Pai quis que fôssemos não só redimidos, mas também corredentores (cfr. Catecismo, 618). Chama-nos a tomar sua Cruz e a segui-lo (cfr. Mt 16,24), porque Ele “sofreu por nós deixando-nos exemplo para que sigamos suas pegadas” (1 P 2,21).

São Paulo escreve:

a) “eu estou com Cristo na Cruz, e não sou o que vive, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20): para alcançar a identificação com Cristo é preciso abraçar a Cruz.

b) “completo em minha carne o que falta à paixão de Cristo, por seu corpo que é a Igreja” (Cl 1,24): podemos ser corredentores com Cristo.

Deus nos quis livrar de todas as penalidades desta vida, para que, aceitando-as, nos identifiquemos com Cristo, mereçamos a vida eterna e cooperemos na tarefa de levar aos demais os frutos da Redenção. A enfermidade e a dor, oferecidos a Deus em união com Cristo, alcançam um grande valor redentor, como também a mortificação corporal praticada com o mesmo espírito com que Cristo padeceu livre e voluntariamente em sua Paixão: por amor, para redimir-nos, expiando por nossos pecados. Na Cruz, Jesus Cristo nos dá exemplo de todas as virtudes:

a) de caridade: “ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (cfr. Jo 15,13);

b) de obediência: fez-se “obediente ao Pai até a morte e morte de Cruz” (Fl 2,8);

c) de humildade, de mansidão e de paciência: suportou os sofrimentos sem evitá-los nem suavisá-los, como um manso cordeiro (cfr. Jr 11,19);

d) de desprendimento das coisas terrenas: o Rei dos Reis e Senhor dos que dominam aparece na Cruz desnudo, burlado, cuspido, açoitado, coroado de espinhos, por Amor.

O Senhor quis associar sua Mãe, mais intimamente que ninguém, com o mistério do sofrimento redentor (cfr. Lc 2,35; Catecismo, 618). A Virgem nos ensina a estar junto à Cruz de seu Filho [5].

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