Existem, infelizmente, dois grandes discursos na Igreja nessa atual conjuntura, duas formas distintas de viver a eclesialidade nos dias atuais. O primeiro, mais em volga principalmente na mídia e nas grandes concentrações da fé, traz uma abordagem conservadora e tradicionalista, geralmente imbuída de muito emocionalismo e devocionismo. Jesus Cristo, a partir dessa vertente, é o Senhor dos grandes milagres e dos discursos moralistas, desvinculados da vida real e das condições históricas de seu povo. Nessa perspectiva, surgem quase sempre cristãos infantilizados, despreparados para enfrentar os desafios deste mundo caótico e desprovidos de identidade eclesial. Quando não temos consciência clara de quem é Jesus Cristo e de quem realmente somos, nos tornamos dóceis crianças conduzidas por qualquer vã doutrina ou por qualquer um que se apresente diante de nós. Acabamos nos tornando meros frequentadores de atos litúrgicos, de reuniões e mais reuniões infrutíferas, figuras medrosas e acanhadas na vida real. As fórmulas devocionais desse grupo de "verdadeiros guerreiros da fé" são cópias mal-feitas de um neopentecostalismo alienante e completamente avesso, dos ensinamentos claros e "incômodos" da doutrina social da Igreja.
Recentemente, um site católico de renome, publicou o seu "index" condenando uma série de leigos, religiosos, sacerdotes e bispos, taxando-lhes de "comunistas e propagadores de uma doutrina anti-cristã". Até que ponto chega o nosso olhar míope da fé! As vendas da hipocrisia e da ignorância nos impedem de ver a verdade e experimentar o "gostinho" inconfundível da fé cristã. Lutar por uma sociedade verdadeiramente justa e igualitária, denunciar os desmandos daqueles que oprimem e massacram os mais pobres, conscientizar a população acerca de seus direitos e deveres, unir fé e vida são obrigações dos que se dizem discípulos e missionários de Cristo. Se isso é coisa de comunista, quero o meu nome incluído nessa relação!
A outra vertente de Igreja, presente principalmente nas pequenas comunidades, tenta dar visibilidade aos clamores dos inúmeros excluídos da sociedade. Acusada implacavelmente de envolvimento ideológico com o político e o social ("marxização" da fé cristã), esta incansável militância cristã representa a voz profética do cristianismo há muito esquecida, mas nunca silenciada. A Teologia da libertação, tão atacada e vilipendiada pelas autocracias eclesiásticas, continua a motivar, embalar as grandes lutas, inspirar os corajosos profetas da contemporaneidade que ainda acreditam em um outro cristianismo. Na maneira simples de celebrar e partir o pão, vemos claramente o espaço fraterno aonde as minorias celebram o grande festim do Reino de Deus, já presente aqui e agora.
Duas faces de uma mesma Igreja! O caminho que nos é proposto é resgatar o verdadeiro projeto de Jesus Cristo, para que ele não se torne uma figura proeminente do passado sem implicações concretas na vida atual. Qual a imagem de Jesus Cristo que devemos apresentar ao povo cristão em catequese, ensino religioso e homilia? Qual a importância de um determinado referencial cristológico para o (não-) engajamento social e político de cristãos e cristãs?

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