Sexta-feira não é um dia qualquer para Maria Aparecida Nascimento Cardoso, de 80 anos, a Dona Cida. Esse é o dia da semana em que ela espera, ansiosa, a visita de Maria José Nogueira de Macedo, a Zezé, 66 anos, voluntária do grupo da Pastoral da Saúde do Hospital São Camilo, em São Paulo.
Há seis anos, Dona Cida literalmente mora em um quarto do hospital, como acompanhante da filha que vive presa ao leito, em estado vegetativo. Embora não conversem, dona Cida garante que a filha percebe sua presença e a das pessoas que entram no quarto. “Eu tenho esperança de que um dia ela possa melhorar”, afirma.
Dona Cida deixou para trás seu apartamento e seus afazeres domésticos para viver exclusivamente em função da filha, e a presença de Zezé tornou-se parte fundamental da sua nova rotina. Em suas visitas, a voluntária leva conforto, amizade e solidariedade. “Agora, minha família é aqui”, conta.
Dona Cida e Zezé são exemplo da marcante presença dos voluntários da Pastoral da Saúde que atua junto aos enfermos. “Esse não é um trabalho que pode ser contabilizado, é um trabalho silencioso, impulsionado pelo amor de quem se dedica aos doentes”, explica padre José Carlos Dias, capelão do Hospital São Camilo e coordenador da equipe de voluntários da pastoral.
Independente do seu caráter religioso, a capelania integra a equipe de profissionais do hospital. Todos os seus membros usam jaleco branco, à semelhança de médicos, assistentes sociais, psicólogos, auxiliares e enfermeiros. “Não estamos aqui por acaso, fazemos parte da equipe de profissionais”, completa padre José Carlos.
A enfermeira Silvana Poslednik, chefe da área pediátrica do hospital, atua há 27 anos na área assistencial e vê o trabalho da pastoral como uma atividade fundamental e complementar da equipe de profissionais. Segundo ela, há momentos em que membros da pastoral são requisitados para ajudar os próprios profissionais envolvidos nos tratamentos das crianças enfermas. “Não apenas a família da criança internada, mas nós também precisamos deles, para nos trazer conforto, força e paz emocional quando precisamos”, revela. O objetivo da pastoral é levar equilíbrio emocional, pela experiência da fé, aos doentes e seus familiares, em um momento de dor e sofrimento físico, quando a tecnologia ou a razão são insuficientes para isso. Após a visita dos voluntários, os pacientes sentem-se felizes, agradecidos e, na maioria dos casos, revigorados na luta contra a enfermidade. É um momento em que eles podem chorar, desabafar, conversar e rezar. “Quando a doença impede o homem de ter esperança apenas do ponto de vista da razão ou da tecnologia, a fé o ajuda a ver um horizonte, um amanhã”, explica o capelão.
Para Otobrina Cedra, 78, internada há cerca de dois meses, as visitas da pastoral são muito esperadas. Ela e sua irmã, Sônia Cedra, 81, que a acompanha, recebem a comunhão e participam das orações e dos cantos de louvor. “Esse é um momento muito gratificante para nós”, afirma Dona Sônia.

Agentes “facilitadores”

Na opinião do padre Gilmar Antônio Aguiar, que atua nas pastorais vocacionais, a Pastoral da Saúde age como uma ponte, levando, pela fé, esperança, amor e solidariedade aos enfermos. Segundo ele, enfermos e voluntários são representações do mesmo Cristo: “os voluntários são uma espécie de agentes facilitadores do enfermo, trabalhando para que o doente saia do sofrimento e caminhe em direção à esperança, como o Cristo que cuida, que visita, e também como o Cristo que está no leito.”
Lidar com a morte e com o sofrimento alheio não é fácil. Nem todos os voluntários conseguem enfrentar essas situações com serenidade. Eles têm de aprender a superar suas próprias feridas, seus próprios limites em relação à dor, à morte e à tristeza. “O voluntário tem que ter o pé no chão, para ser realmente força e presença motivadora, e fazer com qualidade seu trabalho de levar conforto àqueles que sofrem”, conta padre José Carlos.
Quem quiser fazer parte do grupo precisa participar de um curso intensivo de formação, que dura cerca de um ano. Esse curso dá orientações de formação bíblica, humana, psicológica. Ao longo dele, o voluntário acompanha os membros mais experientes para observar como agir diante do enfermo e de seus familiares.

Cristo, o “Bom Pastor”

Após o Concílio Vaticano II, o sacramento, antes chamado de “Extrema Unção”,ministrado ao doente à beira da morte, é agora chamado de Unção dos Enfermos, tendo-se uma nova compreensão quanto à sua finalidade. Segundo padre Gilmar, o trabalho da Pastoral da Saúde não tem um discurso pessimista, mas de esperança, ou seja, de sinal da fé, que comunica a presença divina e promove a vida, “vida em abundância”, explica o religioso. “Nossa maneira de sermos cristãos é nos espelharmos na figura do Bom Pastor, dialogando com o enfermo e comunicando a ele a presença divina que promove a vida, não a morte, embora inseridos em um contexto de morte.”
Nem sempre, somente a boa vontade é suficiente para pertencer ao grupo da Pastoral da Saúde. O voluntário precisa ter equilíbrio emocional e espiritual para aprender a ouvir e saber interagir com o paciente.
Não existe um modelo de abordagem, pois cada paciente reage de uma maneira diferente, uma vez que tem valores e crenças diversas. Segundo padre José Carlos, o objetivo da Pastoral da Saúde não é falar apenas da doutrina cristã e catequizar o enfermo, mas levar conforto a alguém que vive uma situação de extrema fragilidade e desamparo.
O paciente católico costuma solicitar de imediato a visita da pastoral, porém, há pacientes que possuem crenças diferentes. Por isso, os voluntários são orientados sobre a maneira mais adequada de se fazer o primeiro contato.
Em uma ocasião, inconformada com a morte do pai, uma jovem rejeitou a aproximação do padre José Carlos e seu oferecimento de auxílio espiritual, afirmando que não acreditava mais em Deus. Depois, ele soube pelos seus familiares, que ela já tinha perdido três pessoas muito próximas naquele ano, por isso a revolta e indignação. “Não posso chegar e ir oferecendo o sacramento ao paciente, nem mesmo ao católico. Eu espero ele pedir. É o desejo dele, é a fé dele, pedindo para comungar ou para rezar, que define a minha ação”, afirma o capelão.
Segundo padre José Carlos, o paciente deve estar consciente e mostrar seu desejo. Na impossibilidade de o paciente decidir, a família toma a decisão se ele deve ou não receber uma bênção, a unção ou apenas uma oração. “Não devemos partir do princípio de que o que é bom para nós é bom para os outros também, pensando apenas nos nossos princípios e valores.”
Outra experiência, dessa vez vivenciada em Fortaleza, revela que a visita a um enfermo deve ser baseada no bom senso. Certa vez em que padre José Carlos estava rezando e ministrando a comunhão a um paciente internado em um hospital público, um rapaz no leito ao lado pede para rezar junto. No dia seguinte, o rapaz revela ao capelão que o encontro do dia anterior tinha mudado a vida dele: “aquele rapaz não tinha vivência católica, aquele momento de estar ao lado dele, sem julgamento, mas compreendendo o estado de angústia que vivia, foi muito importante. Se eu tivesse me colocado a julgar, a avaliar, certamente tinha fechado uma porta.”

Pastoral da Saúde

Todas as segundas, quartas e sextas-feiras, a equipe de voluntários da Pastoral da Saúde do Hospital São Camilo faz visitas aos doentes internados e a seus acompanhantes, como parte de uma rotina que já dura décadas. O trabalho da pastoral é bastante valorizado e incentivado pelo instituto camiliano, uma vez que segue o carisma do seu santo fundador, São Camilo de Lellis.
Maria José Nogueira de Macedo, a Zezé, citada no início desta matéria e que tanto conforto leva à Dona Cida, é a veterana entre as voluntárias. Simpática, gosta muito de conversar e de dar atenção ao seu interlocutor. Participa há dez anos da pastoral e, durante esse período, já perdeu as contas de quantos amigos fez. Ela conta que conheceu uma de suas melhores amigas durante uma visita a uma senhora que ficou internada durante seis meses. “Quando eu fazia as visitas àquela senhora enferma, eu conversava muito com a filha dela, que era uma de suas acompanhantes. Tempos depois eu a reencontrei em uma missa e hoje somos grandes amigas.”, lembra Zezé.
Entre as integrantes da equipe, que possui atualmente 12 membros, a auxiliar administrativo, Sueli Fernandes dos Reis, 50 anos, é a que está mais presente. Funcionária do hospital, Sueli é ministra extraordinária da eucaristia e todos os dias leva a comunhão, faz orações e passa parte de seu tempo com os doentes.
Alegre, de sorriso contagiante, Sueli reconhece que no começo foi muito difícil enfrentar a angústia diante da dor e do sofrimento físico dos doentes e de seus familiares. O tempo, porém, a fez ter outro olhar para o doente, não de pena e resignação, mas sim de ternura e amor. Ela conta que hoje prefere até mesmo dedicar seu tempo aos pacientes mais graves e com prognóstico médico desfavorável. “Gosto de estar perto deles, de conversar com eles, de passar conforto a quem está angustiado e deprimido pelo medo da proximidade da morte.”

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