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Quando a Igreja Católica regia a cultura ocidental, novembro começava sob o signo de maravilhosa dialética: a festa de Todos os Santos e a comemoração de todos os defuntos. Proximidade intencionale carregada de simbolismo e de esperança. As pessoas não permaneciam unicamente entregues à fragilidade, à dor, à saudade, mas acendia-se-lhes a chama da esperança, do consolo.

Acompanham-nos diariamente as fraquezas, os erros, as falhas, de um lado, e, de outro, a morte está a roubar, ininterruptamente, entes queridos de nossa companhia. Em face dessa dupla realidade, restavam-nos o sentimento de culpa e a dor da ausência. Vida escura sem luz no túnel. A liturgia católica trouxe a dupla experiência daqueles que triunfaram sobre o mal - os santos - e a comemoração dos mortos na fé. Assim, ao terminar esta semana, o coração ultrapassava as trevas que o envolviam.

A festa de Todos os Santos tem belezasingular. O calendário litúrgico católico, ao longo do ano, semeia-nos inúmeros exemplos de homens e mulheres extraordinários, desde os seguidores primeiros de Jesus, os mártires, as virgens consagradas, até homens e mulheres de nossos dias. Mas essa ladainha hagiológica soa talvez para muitos como mitos ou ideais muito longínquos. Não lhes toca de perto o coração. Exemplos antes para admirar que para imitar ou para abrir sendas a seguir.

A liturgia vem-nos em auxílio. Resolveu celebrar num único dia todas as pessoas que morreram no amor de Deus e hoje participam da plenitude da vida. Todos eles e elas merecem o nome de santos. Alguém olha para sua casa e recorda-se de uma mãe ou de um pai, ou de uma empregada que primaram pela piedade, por vida simples e humilde. Nunca eles/elas galgarão os altares e se colocarão ao lado de são Francisco ou de santo Inácio. No entanto, na pureza serena de uma vida de fidelidade aos seus, à própria vocação realizam o que rezamos na missa: "A todos que chamastes para outra vida na vossa amizade, e aos marcados com o sinal da fé, abrindo vossos braços, acolhei-os. Que vivam para sempre bem felizes no reino que para todos preparastes". Se eles lá estão, um dia gozarei também da mesma felicidade. Acorda-nos a esperança por força de todos esses santos desconhecidos do grande calendário, mas muito conhecidos de nós no cotidiano. Festa de alegria e encorajamento.

E a comemoração de todos os mortos arranca-nos da tristeza definitiva da morte. Com a cremação, a solidão da morte parece ainda maior. A terra, ao ocultar os mortos, deixa-nos um lugar de lembrança, de consolo, de tipo diferente de presença. As cinzas aludem, porém, de modo forte, a ausência sem lugar. Nada restou a não ser aquele pozinho perdido. Então a celebração litúrgica da Igreja, que ontemnão aceitava a incineração, mas hoje o faz, resgata a lembrança dos mortos no correr das orações e ritos religiosos. A festa de Finados tem a força de reatar-nos liames com aqueles que partiram. Eles voltam à lembrança. Em algumas igrejas, lê-se lista interminável de nomes. Embora alguns sintam enfado, no entanto, os ouvidos dos fiéis se abrem atentos para ouvir os nomes queridos. Toda lembrança soa benfazeja!

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