Pela simples
razão, independentemente da revelação, o homem pode chegar de algum modo ao
conhecimento da existência dos anjos. Com efeito, a existência de seres
puramente espirituais não repugna à razão. E um exame da criação, à mera luz do
intelecto pode levar-nos à conclusão de que a existência de criaturas puramente
espirituais convém à harmonia do Universo, pois assim estariam representados os
três gêneros possíveis de seres: os puramente espirituais, acima do homem;
outros, puramente materiais, abaixo do homem; por fim, seres compostos, dotados
de matéria e espírito — os homens. E a
crença comum dos povos, constante em todos os lugares e em todas as épocas,
sempre afirmou a existência desses seres de natureza superior aos homens e
inferior à divindade.
Uma coisa,
porém, é a mera possibilidade da existência de seres puramente espirituais, e
outra é a sua realidade objetiva. A existência dos anjos (e dos demônios, anjos
decaídos) seria para nós um problema insolúvel, não houvesse a tal respeito
especial revelação divina por meio da Escritura e da Tradição,* que nos
garantem a certeza da existência dos anjos.
* Tradição, em sentido amplo, é o conjunto de
idéias, sentimentos e costumes, como também de fatos que, numa sociedade, se
transmitem de maneira viva de geração a geração.
Em sentido estrito teológico, chama-se
Tradição o conjunto de verdades reveladas que os apóstolos receberam de Cristo
ou do Espírito santo, e transmitiram, independentemente Sagradas Escrituras, à
Igreja, que as conserva e transmite sem alteração. Essa revelação foi feita a
nossos primeiros pais, e se conservou na
Humanidade, por via de transmissão oral pelos Patriarcas. Com o tempo (e
também por obra do demônio, sem dúvida), essa revelação primitiva foi-se
corrompendo, restando dela meros vestígios no paganismo antigo e no atual. Nas
brumas desse paganismo encontramos seres incorpóreos, ora malfazejos ora
benignos, quase sempre cultuados como divindades ou quase-divindades. Para
preservar o povo judeu da contaminação por essa deformação politeísta pagã, os
Autores sagrados, durante largo período, evitaram mencionar nominalmente o
espírito das trevas. E, pela mesma razão, não se encontram muitos pormenores no
Antigo Testamento sobre a natureza dos anjos e dos demônios, embora sejam
mencionados a cada passo. A revelação definitiva só se verifica Nosso Senhor
Jesus Cristo. Porém, a Bíblia não traz toda a revelação sobre o mundo angélico,
sendo necessário recorrer à Tradição, Esta, como se sabe, encontra-se recolhida
nos documentos dos Santos Padres* e escritores eclesiásticos dos primeiros
tempos, assim como nos documentos do Magistério - Papas e Concílio - na
Liturgia e nos monumentos da Antiguidade cristã (catacumbas cemitérios, etc.).
*Chamam-se Santos Padres ou Padres da Igreja certos
escritores eclesiásticos antigos, que se distinguiram pela doutrina ortodoxa e
santidade de vida e são reconhecido Igreja como testemunhas da tradição divina.
A existência dos
anjos é uma verdade de fé,* provada pela Escritura e pela Tradição. A Sagrada
Escritura refere-se inúmeras vezes a seres racionais, inferiores a Deus e
superiores aos homens; logo, segundo ela, esses seres, que nós denominamos
anjos, existem.
* Verdade de fé é aquela que se encontra na
Revelação e é proposta pela Igreja aos fiéis como verdade que se deve crer. A
negação pertinaz de uma verdade de fé constitui a heresia.
Essa verdade foi
definida solenemente como dogma pelo concílio IV de Latrão (1215): “Deus..,
desde o princípio do tempo criou do nada duas espécies de seres — os
espirituais e os corporais, isto é, os anjos e o mundo”. De forma igual se
expressa o I Concílio do Vaticano (1870).
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