"Formamos com os anjos
uma única cidade de Deus...”.
(Santo Agostinho)

A DEVOÇÃO AOS SANTOS ANJOS é uma dessas devoções quase espontâneas do povo cristão.

A legitimidade do culto aos anjos constitui uma verdade de fé, afirmada pelo Magistério ordinário da Igreja, interpretante da Tradição: condenação dos iconoclastas no século V pelo 2° Concílio de Nicéia, e dos protestantes no século XVI pelo Concílio de Trento.

Origem e desenvolvimento da devoção aos anjos

Entre os judeus e na Antiguidade cristã


Com exceção dos saduceus, que não criam neles, ( “Os saduceus dizem que não há ressurreição, nem anjos, nem espírito" ( At 23,8) ) essa devoção já existia entre os judeus, que veneravam particularmente o “grande príncipe Miguel”, protetor dos filhos do povo de Israel (Dan 12, 1). Nos primeiros tempos do Cristianismo essa devoção não era muito acentuada em razão do paganismo ainda dominante na sociedade, que podia levar os gentios neo-convertidos a confundirem os espíritos celestes com os gênios — espécies de divindades menores falsamente cultuadas por certas religiões —, o que equivaleria a cair no politeísmo pagão. Porém, já no século II, São Justino e Atenágoras dão testemunho sobre o culto cristão aos santos anjos. Dídimo Alexandrino (+ 395) atesta que desde os primórdios do Cristianismo surgiram igrejas e oratórios consagrados a Deus sob a invocação dos arcanjos.
Santo Ambrósio (séc. IV) já exortava os fiéis: “Os anjos devem ser invocados por nós, pois para nossa proteção nos foram dados". (De Viduis, cap. IV, 55; PL 16, 264c Apud Mons. F. TINELLO, La devozione agli angeli, col. 1252.)

E Santo Agostinho ensinava: “Formamos com os anjos uma única cidade de Deus ... da qual uma parte somos nós, peregrinos por este mundo, e a outra, que são os anjos, está sempre pronta a socorrer-nos.

"Se aquele, junto de quem devemos exercer obras de misericórdia do qual as recebemos, com razão se chama nosso próximo que no preceito a nós imposto de amar o próximo estão  incluídos os anjos, dos quais todos os dias recebemos tantos e tão insignes atos de misericórdia.

"Os anjos nos amam ... por nossa causa, porque lhes somos semelhantes na natureza racional; por causa deles próprios, porque nos querem sentados naqueles tronos de glória que eram dos anjos que prevaricaram” . (Apud Archibald J. MacINTYRE, Os anjos, uma realidade admirável, pp. 320- 321.)

Na Idade Média

A "doce primavera da fé” (para empregar a bela expressão com que Montalembert se refere à Idade Média) foi uma época angélica, não só pela pureza dos costumes e das doutrinas, e pelo fervor seráfico do povo fiel, mas também pela familiaridade com os santos anjos.  Foi nessa época que surgiu a prece ao mesmo tempo tão singela, tão doce e tão confiante: “Santo anjo do Senhor...”

Foi igualmente nessa época que surgiram os grandes tratados sobre os anjos, dos quais o mais admirável é aquele, precisamente, de autoria do Doutor Angélico, São Tomás de Aquino.

São Bernardo de Claraval, cantor da Rainha dos Anjos, deu um particular impulso a essa devoção; a Igreja fez suas as palavras do insigne Doutor, para louvar os espíritos celestiais no Breviáirio ( festa dos Anjos Custódios, 2 de outubro). Sua fórmula reflete e sintetiza a tradição ininterrupta da Igreja: aos anjos devemos “reverência por sua presença, devoção por sua benevolência, confiança por sua custódia”. ( Apud Jesus VALBUENA O.P., Tratado del Gobierno del Mundo — Indroducciones, p.931.)




Na Contra-Reforma

Os ímpios Lutero e Calvino, depois do culto dos santos, rejeitaram também o dos anjos. Mas a devoção aos espíritos angélicos recebeu novo alento com os paladinos da Contra-Reforma. Santo Inácio recomenda aos seus religiosos imitarem a pureza dos anjos. Por obra dos jesuítas multiplicam-se os tratados manuais de piedade sobre os anjos. Entre eles, o Tratado e pratica da devoção aos anjos, de São Francisco de Borja, e o Tratado dos anjos custódios, do Pe. Francisco Albertini. Também contribuíram muito para a difusão dessa devoção o Cardeal de Bérulle e o Venerável Olier.

O Concilio de Trento, condenando a ímpia doutrina dos pretensos reformadores, definiu a legitimidade dessa devoção, que adquiria assim maiores títulos para ser divulgada.

Igrejas e santuários — Ladainhas e orações

Já no século IV encontram-se testemunhos sobre a ereção de igrejas e oratórios em honra dos arcanjos. No tempo de São Gregório Magno (+604) o culto a São Miguel já tinha um centro no Monte Gargano (na Apúlia, região da Itália junto ao Adriático), onde o Arcanjo havia aparecido no tempo do Papa São Gelásio I (+496), pedindo que lhe erguessem ali um santuário. No século VII o Príncipe da Milícia celeste apareceu sobre um rochedo da Normandia (França), o Monte Tombes, onde se praticavam cultos pagãos, e ali se ergueu uma abadia que se tornou um dos mais célebres santuários em louvor do santo Arcanjo. E o monte passou a chamar-se Monte Saint-Michel. Em Roma, no século IX, sete oratórios eram já dedicados ao santo Arcanjo. Surgiram várias festas litúrgicas em honra dos santos anjos: São Gabriel (24 de março); Aparição de São Miguel no Monte Gargano (8 de maio); Dedicação de São Miguel Arcanjo (29 de setembro); Santos Anjos Custódios (2 de outubro); São Rafael Arcanjo ( 24 de outubro ). Existem orações e ladainhas em louvor de cada um dos três dos Arcanjos, dos Santos Anjos, do Anjo da Guarda. Talvez a oração mais divulgada seja o “Santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador..." -  bela expressão da piedade medieval para com nosso angélico guardião. Outra bela oração (que teria sido inspirada pela própria Rainha dos Anjos) é aquela que começa pelas palavras "Augusta  Rainha dos Céus e soberana Senhora dos Anjos “, de caráter exorcístico deprecativo muito eficaz.*

 *Essa bela oração foi composta em 1863 pelo Venerável Padre Louis de Cestac (1801- 1868 ) por inspiração de Nossa Senhora. Na antiga disciplina tinha 500 dias de indulgência decreto da sagrada Congregação das Indulgências, de 8 de julho de 1908 e da Sagrada Penitenciaria, de 28 de março de 1935. Seu texto completo é o seguinte:

Augusta Rainha dos Céus e soberana Senhora dos Anjos, Vós que, desde o primeiro instante de vossa existência, recebestes de Deus o poder e a missão de esmagar a cabeça de Satanás, humildemente vô-lo pedimos, enviai as legiões celestes dos santos anjos perseguirem, por vosso poder e sob vossas ordens, os demônios, combatendo-os por toda a parte, reprimindo-lhes a insolência, e lançando-os nas profundezas do abismo. Quem é como Deus? Ó boa e terna Mãe, sêde sempre o nosso amor e a nossa esperança. Ó Mãe divina, mandai-nos os vossos santos anjos que nos defendam, e repilam para bem longe de nós o maldito demônio, nosso cruel inimigo.
Santos anjos e arcanjos, defendei-nos e guardai-nos. Amém.

A devoção aos santos anjos é, pois, não só lícita, mas extremamente louvável e recomendável. Como em toda devoção, cumpre entretanto observar sempre fielmente as prescrições da Santa Igreja, afim de evitar que desvios doutrinários ou práticas mal sonantes se introduzam nela. Desde os primeiros séculos, para evitar superstições, a Igreja permitiu o culto nominal apenas aos três anjos cujo nome consta na Sagrada Escritura - São Miguel, São Gabriel e São Rafael - proibindo a invocação de anjos pelos nomes mencionados em escritos apócrifos ou conhecidos apenas mediante revelação particular.

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