Quando o direito à vida de um único ser humano inocente deixa de ser garantido, a vida de todos passa a correr risco. Basta ficar incluído na categoria errada.

No momento em que escrevo, o canal britânico de TV Sky Real Lives está prestes a difundir o vídeo, ao vivo, do suicídio do professor aposentado Craig Ewert, afetado por doença neurológica, numa clínica médica de Zurique especializada em assistência aos que decidem terminar com a própria vida. Na Suíça, porque na Inglaterra o suicídio assistido ainda é crime, passível de uma pena máxima de 14 anos de prisão para o cúmplice.

O suicídio de Craig Ewert fará parte do documentário Right to Die? (Direito de morrer?), do cineasta John Zaritsky, devendo ser exibido no horário de maior audiência, às 21 horas. Com essa difusão, o canal Sky Real Lives deseja provocar um debate em torno da eutanásia, e assim desencadear um processo legislativo que termine concedendo às pessoas da área clínica a “permissão para matar”.


O caso da italiana Eluana Englaro


Debate similar convulsionou a opinião pública italiana no segundo semestre de 2008, após a Corte de Apelações de Milão ter autorizado o pai de uma moça de 36 anos a matá-la por inanição, retirando-lhe a sonda que a alimenta.

Há 16 anos em estado de coma, como decorrência de um acidente de automóvel, a italiana Eluana Englaro não representa nenhum peso para a família, pois vive numa clínica dirigida por freiras católicas, que lhe prodigalizam todos os cuidados: sessões de fisioterapia, passeios em cadeira de rodas, gestos de carinho, etc. Não está ligada a nenhum aparelho, sendo apenas alimentada, à noite, por uma sonda. A freira Albina Corti, responsável pela clínica, afirma que “a vida de Eluana não se interrompeu. É um mistério, mas ela vive...”. E pode recuperar a consciência, como tem acontecido em casos largamente noticiados.

Privá-la de comida e de água, como seu pai o deseja e a Corte de Milão autorizou, equivale pura e simplesmente a matá-la de fome. O que é um absurdo, considerando-se que Eluana não está doente, menos ainda em fase terminal, mas simplesmente desacordada. Convém ressaltar que, em seu caso, nem se pode falar de “alimentação artificial”, porquanto seu aparelho digestivo está perfeitamente em ordem. Apenas a alimentação é administrada artificialmente, devido à sua incapacidade de mastigar e deglutir.

Por essa razão, nenhum hospital ou clínica do norte da Itália, público ou privado, aceitou receber Eluana para infligir-lhe a morte. Agiram, aliás, coerentes com o juramento de Hipócrates, até hoje repetido pelos médicos: “Aplicarei os regimes para o bem do doente, segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei, por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza à perda”.

Infelizmente, a clínica Cidade de Udine acabou aceitando receber Eluana para retirar a sonda. Mas o Ministro da Saúde, Maurizio Sacconi, enviou uma circular proibindo todos os centros sanitários da Itália de desconectar as sondas que alimentam e hidratam os pacientes em estado vegetativo permanente. O braço de ferro entre a família e os defensores de Eluana ainda continua.

O caso levantado no Grão-Ducado do Luxemburgo


O Grão-Duque Henrique de Luxemburgo

Movido pelos mesmos sentimentos — e por suas convicções católicas, segundo as quais a vida humana inocente é sagrada, devendo ser respeitada desde a concepção até a morte natural —, o Grão-Duque Henrique abriu uma crise constitucional no Luxemburgo, do qual é o soberano. No início de dezembro de 2007, anunciou que não sancionaria um projeto de lei autorizando a eutanásia, aprovado em primeira instância pelo parlamento do Grão-Ducado, por pequena maioria. O primeiro-ministro Jean-Claude Juncker comunicou que, nesse caso, promoveria uma reforma constitucional, com vistas a retirar do Grão-Duque o direito de sancionar as leis (o que implica em avaliar se elas são pertinentes) e limitar sua participação em promulgá-las. Acontece que a maioria dos luxemburgueses parece estar de acordo com seu monarca, em sua recusa de aprovar o projeto que permite a morte assistida de seus concidadãos. Apesar disso, a Câmara dos Deputados do Luxemburgo aprovou depois, por 31 votos a 26, o projeto de lei que autoriza a eutanásia no Grão-Ducado, em 18 de dezembro último. Entretanto, tal projeto não poderá entrar em vigor enquanto não for completada a referida reforma constitucional, a qual não será alcançada facilmente. Grupos pró-vida do pequeno Estado europeu já estão pleiteando a realização de um referendo para que o eleitorado se pronuncie sobre a pretendida limitação de poderes ao seu soberano.

Os casos acima relatados revelam quanto está aceso na Europa o debate sobre a eutanásia.

Eutanásia e suas modalidades: a ativa e a passiva

“Eutanásia” provém das palavras gregas “eu” (bom, agradável, doce) e “thanatos” (morte). Literalmente significa “morte agradável”. No seu sentido comum atual, a eutanásia é uma ação ou uma omissão cuja intenção primeira é dar a morte a um doente para suprimir sua dor ou sua decadência física.

Na eutanásia há, pois, três elementos:

–– Uma intenção: causar a morte;

–– Uma finalidade: suprimir a dor ou a decadência física;

–– Meios empregados: ação ou omissão.

Se o paciente é morto pela administração deliberada de substâncias mortíferas, denomina-se eutanásia ativa; se sua vida é eliminada pela interrupção de uma terapia ou de um tratamento médico proporcionado e ordinário, mas necessário para sua sobrevivência, chama-se eutanásia passiva (por exemplo, interromper os medicamentos de controle da pressão arterial de um paciente que sofre de hipertensão, provocando sua morte por derrame cerebral ou qualquer outra conseqüência).

Ativa ou passiva, a eutanásia é sempre imoral, por tratar-se de um suicídio (se o próprio paciente pratica o ato ou a abstenção que acarreta a morte), ou um homicídio (se o ato ou abstenção é praticado pelo pessoal médico ou pela família do paciente).

A eutanásia passiva distingue-se da simples abstenção terapêutica, pelo fato de esta última consistir na interrupção de um tratamento extraordinário e desproporcionado (por exemplo, o emprego do pulmão artificial num agonizante), cuja continuação pareceria uma mera obstinação terapêutica, sem nenhuma esperança de melhora.

Obrigatoriedade de conservar a vida do enfermo

Papa Pio XII

A legitimidade moral da abstenção terapêutica de tratamentos extraordinários foi assim justificada pelo Papa Pio XII, num discurso sobre a reanimação e a respiração artificial:

“A razão natural e a moral cristã dizem que o homem (e quem esteja encarregado de cuidar de seu semelhante) tem o direito e o dever, em caso de doença grave, de tomar as medidas necessárias para conservar a vida e a saúde. Tal dever, ele o tem para consigo mesmo, para com Deus, para com a comunidade humana, e mais amiúde para com pessoas determinadas. Deriva da caridade bem ordenada, da submissão ao Criador, da justiça social e ainda da estrita justiça, assim como da piedade para com a família. Mas obriga habitualmente só ao emprego dos meios ordinários (segundo as circunstâncias de pessoas, lugares, épocas, cultura), quer dizer, a meios que não imponham nenhuma carga extraordinária para si mesmo ou para outro. Uma obrigação mais severa seria demasiadamente pesada para a maior parte dos homens, e tornaria mais difícil a aquisição de bens superiores mais importantes.”(1)

Evidentemente, o fornecimento de água e alimento por vias artificiais é moralmente obrigatório, conforme ensinou o Papa João Paulo II:

“Em particular, gostaria de realçar como a administração de água e alimentos, mesmo quando é feita por vias artificiais, representa sempre um meio natural de conservação da vida, não um ato médico. Por conseguinte, o seu uso deve ser considerado, em linha de princípio, ordinário e proporcionado, e como tal moralmente obrigatório, na medida em que, e até quando, ele demonstra alcançar a sua finalidade própria, que, neste caso, consiste em fornecer ao doente alimento e alívio aos sofrimentos.”(2)

Por isso é que, no caso da jovem Eluana, a suspensão da alimentação equivale a um homicídio, e não a uma mera abstenção terapêutica.

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