Quando mencionamos a palavra sabedoria, logo pensamos em doutores, cientistas, professores, intelectuais, enfim, em pessoas que possuam o domínio do conhecimento. No entanto, não é essa concepção que encontramos nos livros sapienciais da Bíblia, muito menos no livro da Sabedoria. Isto ocorre porque a Sabedoria de Deus, desde sempre, agiu contra quem quis dominar, matar e esmagar as diversas formas de vida. Todos nós conhecemos o valor da sabedoria popular, da experiência acumulada que nos aponta valores e verdades. No entanto, ser sábio é ter a mesma sabedoria de Deus. É ser aquele que, mesmo arriscando sua vida, sabe estar do lado do bem e da justiça.
O livro da Sabedoria tem uma grande contribuição para a humanidade porque também denuncia o mal da idolatria entre os povos. Relê ainda, a história do povo como ilustração da manifestação da verdade e da justiça de Deus. A história da fidelidade de Israel é, aos olhos da Sabedoria, um argumento irrecusável do senhorio e do poder de Deus, em cujas mãos se entrega o justo oprimido.
A idolatria no Livro da Sabedoria
O livro da sabedoria foi escrito 900 anos depois da morte de Salomão. É chamado de Sabedoria de Salomão somente devido à fama que ele possuía como sábio. Assim, haveria mais respaldo literário. Foi escrito por um judeu alexandrino de língua grega, por volta do ano 50 a.C., em Alexandria do Egito. O autor faz uma fantástica viagem pelos acontecimentos do passado, denunciando as injustiças do presente. É um monoteísta convicto e não admite a idolatria.
A sociedade de Alexandria do Egito, induzida pelo domínio de uma dinastia, denominada de lágida, produziu uma injustiça dentro da diversidade de povos que lá deviam conviver em paz (egípcios, gregos, romanos e judeus). Jamais quis investir na força dos pequenos. Os estrangeiros do campo, os escravos e as mulheres não eram considerados pessoas livres. A lei da justiça era a força e o fraco era inútil.
Os judeus viviam num bairro reservado para eles, mas viviam sob o fogo cruzado dos interesses dos egípcios, dos gregos que governavam o país e dos romanos que se tornavam interventores. Durante outros séculos já se pretendeu subjugar o povo pela religião. Cada cidade ou distrito do Egito tinha seu deus. Mas quando o Vale do Nilo começou a obedecer ao mesmo cetro, foi preciso providenciar um deus maior que assegurasse a unidade dos povos. Não foi difícil acontecer que o rei, por sua vez, se tornasse também um deus, não só depois de morto, mas, sobretudo, ainda em vida. Neste período, o rei ocupava uma tríplice função: juiz, sacerdote e general.
Ora, no meio dos egípcios e dos gregos que aceitavam a deificação da dinastia - além das várias modalidades de divindades características do Vale do Nilo, como a zoolatria (adoração de animais), ou da Grécia, como a adoração dos elementos da natureza - os judeus tiveram que acentuar sua diferença. Adorar um deus, como se sabe, é adorar a forma política que mantém uma organização social. E o resultado da adoração dos deuses estava muito visível para os judeus: a opressão. ”Infelizes também são aqueles que depositam sua esperança em coisas mortas, e que invocam como deuses as obras de mãos humanas”(Sb 13, 10).
Os judeus eram migrantes que, por razões políticas, econômicas, sociais e religiosas foram forçados a abandonar seu ambiente agrícola ( Palestina) para morar na grande metrópole de Alexandria. Isto causou a desagregação das comunidades judaicas. Mesmo assim, o judaísmo não podia abdicar da fé na justiça de Javé e jamais poderia aceitar a separação entre a ética e a religião. Por isso, no coração da cidade, eles estavam destinados a ser um obstáculo, um incômodo, um foco de provocação e inquietação para quem adorava os deuses da cidade e para quem tutelava estas “divindades”.
O livro da Sabedoria fala sobre a idolatria nos capítulos de 13-15. Estes capítulos fazem parte de um bloco maior demarcado em Sb 10-19, cujo fundamento primeiro reside no fato de que a fé profunda na justiça de Javé não pode ser derrotada, de acordo com a memória histórica, sobretudo da libertação ocorrida no Êxodo.
Criticando a idolatria, o livro elabora uma teologia política, ao ensinar que, oprimindo o justo, o sistema político e o que ele significa rejeita o Deus vivo, justo e verdadeiro. A construção de ídolos cria uma sociedade que elimina as relações humanas.
A idolatria hoje
O conceito de ídolo e de idolatria está no campo teológico e é encarado como realidade histórica que atua como verdadeira divindade. Ídolos são deuses que estão ligados diretamente à manipulação de símbolos religiosos para criar sujeições, legitimar opressões e apoiar poderes dominadores na organização da convivência humana. Os ídolos são implacáveis em suas exigências de sacrifícios.
Identificando a idolatria nos dias de hoje, constatamos que ela está vigente através da grande fascinação pelo “Mercado”. O consumo frenético transforma a posse real ou simbólica de bens em possibilidade do alcance da felicidade plena. No entanto, uma pequena parcela da população mundial desfruta de práticas compulsivas do consumo, enquanto que a esmagadora maioria vive na ideologia e no desejo de necessidades criadas como imprescindíveis. Portanto, o mercado é idolatrado.
Percebemos que ocorreu um deslocamento do sagrado da Igreja para o Mercado. É só observar a arquitetura de algum shopping construído no estilo de catedrais estilizadas. Também percebemos o emprego de termos e conceitos ‘religiosos’ usados pelos economistas (sacerdotes do mercado) para definir o sistema econômico vigente. O mercado é visto como uma religião e existem os ‘sacerdotes da teologia da especulação’, ou os ‘missionários da qualidade total’.
É interessante perceber que os meios de comunicação de massa não são os únicos responsáveis por essa legitimação. O segredo está no ‘sagrado-sacrifício’, isto é, no fascínio e no temor que tornam os sacrifícios necessários para a realização da promessa da satisfação de todos os desejos. Dessa forma, as conseqüências negativas são encaradas como ‘mal necessário’, tais como o desemprego, a exclusão, a concentração de rendas, etc.
A injustiça que tem caracterizado o nosso mundo tem como ídolo o mercado. É ele quem determina se é melhor salvar interesses financeiros ou vidas humanas. Isto não pode permanecer assim. Os ídolos da morte não podem ter a última palavra. A nossa missão deve ser um posicionamento contrário às diversas manifestações religiosas deste “sagrado” que perverte e que pune as vítimas, com suas exigências de sacrifício.
A fé na ressurreição da carne é a fé num Deus que assume “as diferenças” da vida e se posiciona, com seu poder vivificador e libertador, do lado da vida que grita por socorro: Javé ouviu o clamor do seu povo: “ Deus não criou a morte” .

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