O Compromisso da Fé aparece com um 'Estar' na Cruz com Cristo.
Há muito tempo aprendemos em nossos lares cristãos que o maior amor de Deus pela humanidade se expressou concretamente através da encarnação, paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo.
Em nosso imaginário real, constantemente ouvimos pessoas dizerem: "cada um tem que suportar a sua cruz", como se a morte de Cristo tivesse sido uma opção pela auto flagelação, "afinal quem sabe nem tenha doído tanto assim uma vez que ele também era Deus". Que confusão, hein?
Em qual Deus realmente acreditamos? No Deus amor que se desdobra em zelo pelos seus filhos, concedendo-lhes sua paz ou num deus castigador que fica brincando de colocar problemas na nossa vida para ver até que ponto permaneceremos fiéis a Ele?
Perdoe-nos o embaraço, mas já está na hora de vivermos uma fé alicerçada na experiência pessoal e comunitária de Deus conosco e não numa atitude marcada pelo temor. Aquela imagem do olho de Deus que tem de tudo um pouco: policial, julgador, carrasco, que é dono de comércio e que fica anotando em seu caderninho todas as pendências e todos os fiados, já não se pode mais perpetuar para o início de um novo milênio. A misericórdia de Deus acolhe o ser humano em sua limitação e sempre está de braços abertos esperando que ao fazer a experiência da liberdade, com acertos e erros, enfim, tentativas, as pessoas descubram que só em Deus encontramos o bem.
Problematizada a questão, vamos buscar respostas. Uma maneira de desmitificarmos estas imagens negativas a respeito de Deus é partirmos para a compreensão do porquê do sofrimento de Jesus, cujo evento se tornou na cruz o escândalo, a face de Deus derrotado e ao mesmo tempo glorificado, vitorioso, exaltado. Utilizaremos para tal objetivo o dado de fé encontrado na literatura paulina (cartas de Paulo), especificamente na sua carta aos Filipenses 2,6-11, conhecido como o hino cristológico.
O MOVIMENTO MISSIONÁRIO DE PAULO
Alguns anos após a morte de Jesus, despontou um homem chamado Paulo, judeu-fariseu, conhecedor da lei e das escrituras hebraicas e da tradição do povo de Israel, cidadão romano. Ele fez uma experiência de conversão em sua vida, da qual brotou o seu apaixonamento pelo projeto de Jesus. A experiência é a de ser chamado diretamente pelo Senhor. Dessa forma, Paulo compreende sua vocação como contribuição ao anúncio de Jesus.
No tempo do Apostólo Paulo, a religião havia se tornado instrumento de exclusão social das mulheres, escravos e estrangeiros. Paulo entendeu que a salvação era dom gratuito para todos e não apenas para o povo "eleito" de Israel. Entender a verdadeira expressão de um Deus libertador era ter uma vida fraterna que congregasse a todos numa única família. Daí seu apelo de paz e unidade: Já não há mais judeu nem grego, escravo ou livre, e sim homens novos em Cristo. Já não se tinha sentido seguir esta lei.
Diferentemente dos caminhos percorridos por Jesus, num ambiente campesino, Paulo instalou-se em centros urbanos importantes. Um desses centros era a comunidade de Filipos.
A COMUNIDADE DE FILIPOS
A fundação desta comunidade aconteceu durante a segunda viagem de Paulo (At 15,39 -18,22), por volta do ano 50 d.C. . No entanto, a carta aos Filipenses datada de 63 d. C. foi redigida numa ocasião de cárcere vivida por Paulo. Esta sua carta é puro reflexo dos mais profundos sentimentos de gratidão, ternura e estima que cultivava por este grupo de colaboradores, dos únicos que aceitava donativos.
Ao endereçar esta carta, Paulo encontra-se preocupado em salvaguardar a vivência da caridade e da unidade entre os participantes desta comunidade localizada numa das maiores cidades da Macedônia, rota de grande fluxo comercial. Paulo exorta para que estejam atentos às virtudes da alegria, caridade, esperança e fé na ressurreição e rejeição a falsos ensinamentos de outras doutrinas .

FL 2, 6-11: A FORÇA OCULTA DE DEUS
Este hino apresenta em seu conteúdo a característica de ser uma releitura feita pelos colaboradores e pelo próprio Paulo do texto de Isaías 52-53. Em Isaías, o escravo humilhado, despojado que encontra no Senhor a justiça é vítima do Êxodo, fato de ter sido retirado de sua terra mãe, de ter passado por uma opressão que lhe impôs o esquecimento de sua cultura, costumes, vitimado pela condição de se ver reduzido à situação de mero instrumento descartável. Isaías posiciona-se contra o projeto monárquico vigente e anuncia o Deus que sai em defesa do escravo e nega o sistema.
Se compararmos os dois textos, encontraremos pontos semelhantes:
Fl 2,9: Deus o sobreexaltou - Is 52, 13: Ele será sobreexaltado; Fl 2,8: Humilhou-se - Is 53, 7: Foi oprimido, mas não abriu a boca; Fl 2,8: Foi obediente até a morte - Is 53, 8: Foi conduzido à morte; Fl 2, 6: Esvaziou-se - Is 53,12: Derramou sua alma até a morte.
O que importa saber neste hino é a experiência que há entre divino e humano como realidades inseparáveis. Se o primeiro Adão (Gn 3, 1-12) tentou ser como Deus, tornando-se desobediente ao seu projeto, cometendo uma tentativa frustrada de ser pleno, caindo posteriormente numa tristeza incontável, o segundo Adão (Jesus), 100% divino e humano que possuía de direito a majestade divina, por amor aos homens, despojou-se dos seus esplendores. Jesus coloca como horizonte de sentido para a sua vida o ser obediente à vontade do Pai, implantando o seu Reino e não se apega à supervalorização de seu ego pessoal.
A preocupação vigente de Paulo não é com a divindade de Jesus. O que interessa é Jesus naquilo que fez e naquilo que sofreu da parte de outros.
Jesus não foi qualquer escravo, ele possuiu o controle da situação, esvaziou-se. Diferentemente do sentido hebraico em que o escravo não tinha como superar sua situação, Jesus permanece nela como negação do querer se valer de prerrogativas para ser mais do que os outros.
No hino de Filipenses o sentido é diferente do contexto de Isaías porque o enfoque não recai tanto sobre a experiência histórica do livro do Êxodo.
Para Paulo, a releitura do hino visa esclarecer o escândalo de ter morrido na cruz o Senhor e o seu Reino anunciado. Como conciliar o crucificado com o Senhor?
Como entender esta loucura para os homens e sabedoria para Deus? (1Cor 23-24; Gl 3,13). A humilhação tornou-se glorificação do crucificado. Paulo não quer dizer que o Messias tinha que sofrer, como se fosse um capítulo de novela escrito há muito tempo que tivesse que acontecer, e sim descobrir o porquê do sofrimento que o levou à morte de cruz.
Aderir a cruz de Cristo significa assumir o compromisso com os mais fracos, pois a cruz tem poder de denúncia e de força Salvadora. A cruz mostra que precisamos atacar os mecanismos de opressão. Estes mecanismo podem ser: a lei, a raça, a sabedoria com poder de dominação, orgulho, injustiças,...
Paulo elabora uma teologia onde demonstra o impacto da cruz como instrumento de morte, condenação, transformada em sinal de vida, em dado de Salvação. A cruz é a construção de uma poderosa força do não poder, de uma glória dos humildes, de uma solidariedade entre despojados e de uma segurança dos ameaçados por causa do Reino de Deus.
Só a palavra da cruz, pregada a judeus e gregos, abre o caminho da redenção e da salvação para todos os que a aceitam pela fé. Por isso, Cristo, crucificado e ressuscitado, é anunciado como a força e a sabedoria de Deus; pois a suposta loucura de Deus- como Paulo diz- é sempre mais sábia do que os homens, e a suposta fraqueza de Deus é sempre mais forte do que eles (1Cor 1, 25).

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