O código canônico e o leigo
Leigos são todos os cristãos, exceto os membros de ordem sacra e do estado religioso
São Paulo, (Zenit.org) Edson Sampel
Antes de discorrer propriamente acerca da nova visão do
leigo, trazida pelo código canônico em vigor, cumpre-nos explicitar a
semântica do vocábulo “leigo”. Se abrirmos qualquer dicionário,
notaremos que a primeira acepção do termo “leigo” é a seguinte: “que não
é clérigo; laico”. Reparamos, em primeiro lugar, que “laico” é sinônimo
de leigo. Mas, o importante é constatar a definição eclesial de leigo
encontradiça nos dicionários comuns, profanos, diríamos. Leigo é o não
clérigo, ou seja, o que não recebeu o sacramento da ordem. Em suma, o
que os dicionaristas querem explicar aos seus consulentes é que o leigo é
o católico comum ou cristão corrente. Esta é, repito, a primeira
acepção grafada nos bons dicionários. Poderíamos, erroneamente, supor
que tais dicionários portassem primeiramente estoutro conceito de leigo:
“estranho a determinado assunto” (ex.: João é leigo em medicina).
Porém, a aludida acepção só surge em sentido figurado, malgrado assaz
empregada fora da comunidade eclesial.
Os léxicos da língua portuguesa andaram bem ao definir correta e
eclesialmente o verbete “leigo”. Infelizmente, não chegaram à precisão
do Concílio Vaticano II: “Leigos são todos os cristãos, exceto os
membros de ordem sacra e do estado religioso.” (Constituição dogmática Lumen Gentium, n. 31). Os padres conciliares, extirpando da oração gramatical o desagradável advérbio de negação ( “não”), forjaram uma definição positiva do leigo, do católico comum: são todos os cristãos, em vez de: são os não clérigos.
Tenho para mim que o cânon 225 emprestou um novo colorido ao
apostolado do leigo. Não criou nada; apenas recuperou o que sempre foi a
missão do leigo neste mundo. Eis a tradução do cânon 225, parágrafo
2.º: “Têm [os leigos] também o dever especial, cada um segundo a própria
condição, de animar e aperfeiçoar com o espírito evangélico a ordem das
realidades temporais, e assim dar testemunho de Cristo, especialmente
na gestão dessas realidades e no exercício das atividades seculares.” À
luz do supramencionado cânon, compreende-se claramente que o apostolado
do leigo tem de ser praticado no âmbito da secularidade, quer dizer, no
mundo, fora da Igreja. O papel preponderante do leigo não consiste em
ser ministro extraordinário da comunhão, nem catequista etc. Enfim, sua
vocação batismal não está nas atividades intraeclesiais, mas nas
atividades extraeclesiais. Cumpre ao leigo animar e aperfeiçoar com o
espírito do evangelho as relações na família, no mundo do trabalho, na
política etc. Aquilata-se quão deficitária é a participação dos
católicos na vida pública. Este é o campo idôneo do leigo que, como
membro da Igreja católica, procurará inocular os valores do evangelho.
Desafortunadamente, na contramão do Concílio Vaticano II e do código
canônico, ainda subsiste na Igreja a tendência a clericalizar o leigo,
isto é, a incumbi-lo de tarefas intraeclesiais, quando, evangelicamente
falando, a missão do leigo se localiza exatamente fora da Igreja,
principalmente na política, tão carente do testemunho dos católicos. Os
evangélicos têm sua bancada nos parlamentos. E os católicos? Onde estão?
Bem escreveu certa feita dom Dadeus Grings, o arcebispo de Porto
Alegre, ressaltando a natureza secular do apostolado do leigo: “Quando
se pergunta sobre o que a Igreja faz no campo do bem comum, é preciso
devolver a questão aos leigos.”
Edson Luiz Sampel é doutor em Direito Canônico pela
Pontifícia Universidade Lateranense, do Vaticano e autor do livro “A
responsabilidade cristã na administração pública” (Editora Paulus).
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