O Deus da nossa fé é o criador da vida e sua atividade criacional não se deu num único momento, como se pudesse pontualisar na linha do tempo. Tendo como pressuposto o criar inicial, Deus continua a criar na história. Deus continua como que preservando a criação daquilo que pode destruí-la (MOLTMANN, 1993, p. 301). A criação não está por definitivo pronta para que a história aconteça sobre ela, como se fosse uma cena em cima de um palco. Para o povo de Israel, a experiência do êxodo ajuda a compreender a criação e se torna o eixo central da criação. O pano de fundo, onde se firma a fé no Deus criador é a experiência histórica de libertação, a fé no Deus que liberta das mãos do faraó e conduz o povo para a terra prometida, onde há harmonia entre as criaturas e com o Criador.
        Da mesma forma que Deus criador dá forma de vida ao caos, Ele também supera a realidade de opressão em que vivia o povo de Israel e promove sua libertação. Do caos, Deus faz a vida nascer e se multiplicar, e da opressão, Ele faz o povo ressurgir para a liberdade, tornando-se um povo numeroso e livre. Tanto na criação como no êxodo, as criaturas são companheiras de Deus (SUSIN, 2003, p. 33-34). Portanto, a atividade criacional de Deus prossegue, não como um criador solitário, mas um criador que está em dialogação com suas criaturas que também são co-criadoras.
         Nosso Deus é ecológico, é o criador e protetor da vida. E em seu projeto de preservação da vida, Ele conta conosco. Como já mencionamos, a criação do ser humano é apresentada na Bíblia por dois relatos: Gênesis 1,26-31 e Gênesis 2,4b-25. O primeiro relato usa o verbo “dominar”, que sofreu uma má interpretação, fazendo com que a humanidade agisse num espírito de domínio, depredando o ambiente vital (MOLTMANN, 1993, p. 17-18). Já o segundo relato (Gn 2,4b-25) utiliza os verbos “cultivar e guardar” e nos ajuda a entender que o ser humano tem a missão do jardineiro que cuida. Um jardineiro não é dono do jardim, ele apenas cultiva, cuida e procura torna-lo cada vez mais belo, mantendo a sua diversidade e originalidade. O jardineiro convive com tudo o que há no jardim e, ás vezes, colhe uma flor, um fruto, mas nunca devasta. Sua missão é sempre cuidar. Portanto, a fé no Deus criador, não apenas permite ao ser humano se beneficiar da  natureza, mas incide no compromisso de cuidá-la com responsabilidade. Pode retirar seu alimento de forma sustentável, garantindo a vida do planeta e das gerações futuras.
          Por causa da fé no Deus criador, deveríamos ter um engajamento concreto e prático na defesa e preservação da vida. O engajamento da Igreja com a questão ecológica é bem recente, mas na sua história existem algumas marcas positivas, alguns testemunhos de vida em defesa do meio ambiente, como é o caso de São Francisco de Assis. Para Francisco as criaturas não tinham apenas um valor utilitário, mas um valor simbólico e sacramental, que lhes é inerente. Ele tinha uma atitude religiosa diante da natureza, porque em tudo via a presença da Trindade Criadora. Por serem filhas de Deus, Francisco chama as criaturas de irmãs (ENGLEBERT, 2004, p. 152-153). Para São Francisco de Assis, a Terra é mais que mãe, é também imã. Vê a Terra como a mãe que sustenta e que nutre o filho, mas também como irmã que requer cuidado, atenção e carinho (LECRERC, 1999, p. 145-147). Esse é o papel da Igreja, promover “um cuidado religioso do meio ambiente, um „profetismo ecológico‟ na formação das consciências e da sensibilidade, uma cultura ecológica ligada à fé e a mística”, como colocamos acima. E isso deve acontecer de forma ecumênica. O interesse pela ecologia é de todos os seres humanos e está relacionado com o ecumenismo, com a ética. Hoje o conceito de ecologia é „holístico‟, e interessa à sobrevivência de todas as criaturas. Seria, portanto, muito estranho que, numa questão de interesse de todos, estivessem ausentes as religiões e a teologia (SUSIN, 2001, p. 13).
         Com a Campanha da Fraternidade de 2004 a Igreja nos aproximou do tema da ecologia, mexendo com uma parte que é talvez a mais significativa da criação, a água. E em 2007, a Campanha trouxe outro tema ecológico, motivando as comunidades e a sociedade a conhecer melhor e se engajar na luta em defesa do bioma Amazônia. E nos desafia a olhar e agir na solução dos problemas locais, de cada bioma, para juntos ajudarmos a preservar a vida. Com isso a Igreja pode estar dando um significativo passo para uma sólida e eficaz inserção na luta em defesa do meio ambiente. E a Campanha da Fraternidade 2011 novamente aborda a temática da ecologia. E o importante é que agora se trata de uma abordagem mais específica sobre as questões ambientais. A ecologia por ser a ciência e a arte das relações e dos seres relacionados, deve estar presente em todas as áreas da vida humana.
          A ecologia é uma causa universal que se relaciona com outras causas da humanidade, como os direitos humanos, a justiça social e a paz. A ecologia nos convida a ampliar os horizontes, pensar e ver globalmente, mas agir de forma localizada e no cotidiano. Não somos nós que vamos salvar o planeta, mas podemos viver de tal modo a estar colaborando com a vida. A Terra sabe se regenerar e precisamos dar a nossa contribuição para que isso aconteça. Qualquer pequena ação localizada em favor da vida tem grande ressonância no complexo macroorganismo vivo que é nosso planeta Terra. Todo o bem que fizermos, por menor que seja, será grande e indispensável na regeneração da vida.                Ecologia é também uma questão de fé. Não faz sentido celebrar a fé, louvar ao Deus criador e destruir a natureza ou permitir e ser cúmplice da destruição. Como fica a nossa fé, se compactuamos com as práticas de degradação humana e ambiental que hoje acontecem em várias partes do mundo? E como a Igreja pode falar de ecologia, ter um discurso ecológico sem ter uma organização pastoral que contemple o tema da ecologia? Ao lado do ensino social, a Igreja criou a ação social, formou e mobilizou os fiéis a lutarem pela dignidade humana. Por isso, o discurso da Teologia da Libertação sempre esteve alicerçado na prática libertadora das comunidades. Da mesma forma deve ocorrer com a ecologia. A Igreja, além de organizar uma pastoral específica de ecologia, também precisa trabalhar a questão ecológica como um tema transversal. A ecologia deve permear todo o ambiente pastoral, deve ser um interesse comum dentro da Igreja.
           A greve de fome do bispo de Barra, Frei Luiz Cappio despertou uma grande mobilização entre ONG‟s, pastorais e movimentos sociais e ambientais para a questão da 7 transposição do Rio São Francisco. Aparentemente isto seria um problema para os ambientalistas, mas tornou-se uma causa dos militantes sociais e agentes de pastorais sociais. Isso mostra que a causa ambiental está relacionada com as questões sociais. O agronegócio responsável pela concentração de terra e o hidronegócio que expulsa os povos ribeirinhos para saciar sua sede de lucro, também são causadores de desequilíbrios ambientais.
           É sabido que o modelo agrícola que polui a terra, o ar e as águas, é o mesmo que expulsa o camponês do campo e gera a fome e miséria. O modelo industrial explorador da mão de obra, também degrada o meio ambiente. As grandes indústrias, em geral, além de espoliar o trabalho humano, também exploram indevidamente os recursos da natureza. O modelo de consumo nas grandes cidades que gera milhões e milhões de toneladas de lixo, não promove a vida e a dignidade de quem se sente obrigado a viver com os restos. E os monocultivos de arvores exóticas, como por exemplo, os eucaliptos, para a indústria de celulose, não só deixam de gerar empregos, como também afastam os empregos que a agricultura camponesa estaria gerando em seu lugar. Além deste caos social, também geram a degradação do meio ambiente. Não podemos, portanto, querer a justiça e a paz sem nos empenharmos na luta ambiental. Também é vazia a atividade ecológica que não inclui o ser humano, que não pensa nos pobres, seja do campo ou da cidade.
            Neste estudo, vimos que a Ecologia é a arte das relações, é a ciência do cuidado que transcende o científico e não pára nos laboratórios de pesquisa, mas invade corações e mentes que se despertam para o cuido e a preservação de todas as formas de vida. Ecologia é a palavra que se faz ação, que nos leva a agir em defesa da vida. Também notamos que a Terra é um macroorganismo vivo, que quer viver, mas sente o peso da destruição, do domínio e da ambição do ser humano, causador de muitos males para a sua própria espécie e a todos os coabitantes do planeta. A crise ecológica, portanto, é algo real e bem perto de nossos olhos e somos responsáveis por ela. E esta crise deve ser enfrentada com todas as forças possíveis e com uma espiritualidade ecológica. Porque a vida requer um cuidado espiritual. Precisamos nos deixar mover pela fé no Deus criador e defensor da vida. E isto significa que nossa prática religiosa e pastoral deve se dar também no campo da ecologia. A ecologia merece ser tratada numa pastoral específica, mas todas as pastorais e projetos eclesiais devem ter presente a questão ecológica.
           O mesmo que a Pastoral da Ecologia propõe para as comunidades cristãs, também pode ser levado para a Escola, que tem a mais nobre missão na sociedade, que é formar seres humanos e cidadãos. E se as escolas públicas e de outras instituições levam a sério a questão ecológica, muito mais as escolas confessionais católicas e cristãs devem ter presente sua missão de promover o cuidado da vida. Por isso, a Campanha da Fraternidade tem muito a nos ajudar e nos despertar para o nosso compromisso cristão. Ser cristão é defender a vida e, sobre tudo, sem banalizar seu mistério e sua sacralidade.

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